ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Reflexões sobre performance e sobrevivências à partir de 'Arara' |
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Autor | Miguel Antunes Ramos |
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Resumo Expandido | Em 2013 foi encontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, 4 rolos de película intitulados ‘Arara’. Filmados em fevereiro de 1970 por Jesco Von Puttkamer, o material é um registro da formatura do primeiro e único batalhão da Guarda Rural Indígena, composta por 97 índios dos povos Karajá, Krahô, Xerente, Maxakali e Gavião. O material consiste em uma filmagem em 16 mm, sem som, dessa formatura. Uma série de índios fardados marcha pelo pátio de um batalhão militar. Vestindo quepe e com o olhar sisudo, os 97 erguem o braço direito em saudação à bandeira brasileira, que é hasteada. Homens brancos de terno assistem à tudo da arquibancada, em silêncio. Um índio à cavalo cruza o pátio trazendo outro índio amarrado, em uma simulação de prisão. Por fim, atravessa o pátio um grupo particular: dois índios carregam um terceiro, que está preso a um pau-de-arara. Eles são observados atentamente pelos homens brancos engravatados. Cruzam todo o pátio debaixo de um sol escaldante. Hoje, mais de 30 anos após o fim da ditadura civil-militar, assistir a essas imagens causa uma espécie de vertigem. O material, recém-encontrado, tendo ficado escondido por mais de 40 anos, parece carregar uma luminosidade própria, sendo, em certo sentido, uma imagem "sobrevivente" (DIDI-HUBERMAN). Nossa pesquisa pretende se debruçar sobre esse material encontrado para, a partir dele, recompor a história da Guarda Rural Indígena buscando entender não apenas o que ocorreu, quando e como começou e terminou a Grin, mas também se perguntar sobre o desejo branco, militarista e disciplinador, que o ensejou. Além disso, pretendemos investigar como essa história permanece nos corpos, memórias e histórias dos próprios indígenas que foram fardados. É possível analisar a criação da GRIN através de dois prismas diferentes e algo contraditórios. O primeiro diz respeito ao tema da militarização indígena, entendendo a GRIN no contexto do projeto de integração e segurança nacional do pós-AI 5. O segundo diz respeito à uma preocupação, acima de tudo, imagética, tendo em vista as acusações que se fazia ao Brasil no contexto internacional, e o papel preponderante da questão indígena nessas acusações. Assim, é possível entender a criação da GRIN como um esforço por parte do governo de contra-propaganda - a criação de uma imagem teoricamente positiva, que pudesse defender a ditadura da acusação de genocídio indígena. Prova desse intuito é o fato de que após a criação da GRIN, no ano de 1970, em diversas cidades brasileiras houveram desfiles dos guardas. Isso levanta a possibilidade de o material agora encontrado ser, em verdade, o material bruto de uma propaganda governamental nunca realizada. Essa hipótese é algo que vamos ao longo da pesquisa se aprofundar. Uma análise mais detida do material busca enxergar nele a sobreposição de três desejos. De um lado, existe o desejo branco, militar, que controla a performance, a planejou, a montou. De outro lado, existe o desejo do fotógrafo, Jesco Von Puttkamer, um brasileiro de ascendêcia alemã que fotografou o julgamento de Nuremberg, e fotograva grupos indígenas recorrentemente para revistas nacionais e estrangeiras. E por fim, existe o desejo indígena, os corpos que percorrem a performance desejada pelos militares, filmada pelo Jesco, e que dela se apropriam e a ele resistem. Na pesquisa, visitamos aldeias indígenas e localizamos mais de 20 guardas. Nos dedicamos então à questão de como suas histórias e seus corpos foram atravessados pela ocorrência histórica que foi a Grin. Acima de tudo, este projeto busca refletir sobre a imbrincada relação entre memória e imagem, entre barbárie histórica e documento, buscando apreender o que permanece, ainda hoje, nas imagens, nas memórias e nos corpos, da tragédia biopolítica que foi a ditadura civil-militar no Brasil. |
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Bibliografia | CARNEIRO DA CUNHA, Manoela. Cultura com aspas. São Paulo, Cosacnaify, 2009. |