ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Uma longa jornada: a caminhada, do literal ao expressivo |
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Autor | Edson Pereira da Costa Júnior |
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Resumo Expandido | Em um famoso texto, A quase survey of some “minimalist” tendencies in the quantitatively minimal dance activity midst the plethora, or an Analysis of Trio A, Yvonne Rainer (1968) propõe um esquema que compara as transformações advindas da arte minimalista com aquelas da dança contemporânea. Se a primeira substituía o caráter figurativo da escultura por formas não referenciais, preferindo a literalidade ao ilusionismo, a dança propunha a ênfase na qualidade mais banal do ser físico a partir de ações e movimentos neutros, em detrimento da personagem encarnada, da expressividade emotiva e da virtuose corporal da dança precedente. Em consenso com tal proposta, podemos citar Trio A (1966), da própria Rainer, Transit (1962), de Steve Paxton, e Trillium (1962), de Trisha Brown. São performances do Judson Theatre estruturadas em torno de um conjunto de atos – caminhar, correr, comer, carregar tijolos, etc – facilmente confundidos com gestos cotidianos.
Também na década de 1960, as performances em vídeo de Bruce Nauman, como Walking in an exaggerated manner around the perimeter of a square (1967-8), Dance or exercise on the perimeter of a square (1967-8), Slow Angle Walk (Beckett Walk) (1968), Revolving upside down (1969), Bouncing in the corner No. 1 e No. 2 (1968-9), são constituídas por ações mecânicas e cotidianas. Nauman, que tinha conhecimento das experiências de Merce Cunnigham e de Meredith Monk na dança surgida à época, aproximava-se das apresentações do Judson Theatre pela incorporação de atos banais na obra. Nos vídeos do artista, a tarefa é apresentada no título e a performance constitui sua execução seriada. Feitas no mesmo estúdio, sem recursos cenográficos incorporados, sem variação de ângulo ou sucessão de planos, o espectador tem poucos amparos para o exercício hermenêutico. A proeminência é do gesto. Os anos 1960 e 1970 são fontes frutíferas para pensar como artistas do corpo renunciaram a aparatos simbólicos e a códigos de seus respectivos meios para recuperar o gesto em sua qualidade mais mecânica, mais literal. Uma disposição similar, dentro de outras particulares, poderia ser encontrada em filmes realizados desde a década de 1990 em países como Argentina, Estados Unidos, Espanha e China. Trata-se de obras em que a figura humana é apresentada em dramas rarefeitos. Por vezes, as narrativas são compostas por planos de longa duração em que pouco ou nada acontece, para além de corpos que perambulam por espaços urbanos profundos ou amplas paisagens naturais. As redes semânticas que poderiam conferir um sentido simbólico, um contexto histórico e as nuances sociais são minoradas. A proeminência é do gesto. Mas, afinal, o que ele revelaria? Como se compõe a retórica corporal quando as balizas semânticas do drama são substituídas por um universo em que impera o excesso de imanência, a literalidade das ações – que já não respondem mais à lógica de causas e efeitos? A comunicação tenta refletir sobre as condições expostas tomando como material para análise o motivo da caminhada em cenas de Adeus, Dragon Inn (Tsai Ming-liang, 2003), Honra dos Cavaleiros (2006, de Albert Serra), e Jauja (2014, de Lisandro Alonso). Ao mesmo tempo em que reforça a existência material da figura humana, explorando sua fisicalidade e a relação com o espaço, a caminhada aparenta portar consigo uma retórica própria, exprimindo a condição do corpo dentro de uma ordem de afetos, mas também política. Nesse sentido, propomos um exercício comparatista pontual entre o cinema e a arte contemporânea – com ênfase na dança do Judson Theatre e nas performances de Bruce Nauman –, tendo como objetivo apresentar ferramentas de análise da gestualidade seriada e mecânica. Com isso, resgatar a espessura semântica, ou mesmo histórico-social, que está velada sob a opacidade das ações corporais. |
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Bibliografia | ARASSE, Daniel; BOURG, Lionel; DAVILA, Thierry; FALGUIÈRES, Patricia; FRÉCHURET, Maurice [et. al.]. Les figures de la marche: Un siècle d’arpenteurs. Paris: Réunion des musées nationaux, 2000. |