ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Rubem Biáfora, as alegorias e o diretor de arte fantasma |
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Autor | Benedito Ferreira dos Santos Neto |
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Resumo Expandido | Lançado em 1974 pela Data Cinematográfica, A Casa das Tentações, terceiro e último filme dirigido por Rubem Biáfora, apresenta o crédito de diretor de arte a Rocco Biaggi, possível pseudônimo do próprio diretor, quase dez anos antes do dado mapeado por Hamburger (2014). Centrada na história de Saul, um jovem marcado por dramas existenciais, aflito com a possibilidade de morrer aos trinta e três anos de idade, tal qual Cristo, a narrativa explora o retorno do protagonista ao casarão de sua família, que pode tornar-se um bordel, ainda que disfarçado de boate. A conformação de uma proposta háptica da direção de arte instaura uma falência da visão, apontando um mistério que se mantém próximo, invisível e fora da imagem, além de proporcionar a eclosão de imagens do passado, associadas ao estado decadente do espaço. Apoiando-se em uma abordagem que compreende a direção de arte enquanto profesión del engaño, Felix Murcia (2002) defende que a função ontológica da direção de arte está relacionada à necessidade da regra de verossimilhança dos cenários. No entanto, ao adotar procedimentos que se apropriam das características arquitetônicas das locações, a direção de arte de Biáfora efetiva um desenho não convencional – o que, acreditamos, reforça as múltiplas abordagens em torno de conceitos como aparência e verossimilhança. Essas passagens íntimas, sussurradas, que extrapolam a noção de representação, podem ser identificadas na atmosfera do filme e articulam a imagem, indesejada com uma certa realidade, munindo-a de códigos que desmantelam uma linearidade temporal ou uma coerência geográfica. O vermelho uniforme nas cenas iniciais de A Casa das Tentações é um dado premonitório da morte de Saul ao final da narrativa. Enquanto discutem os rumos inconstantes de suas vidas, Saul e sua companheira, Mônica, anunciam-se atrelados ao ritmo inconstante da montagem, prostrados contra as paredes vermelhas do ambiente principal da casa. O jovem tem o corpo empurrado na cama e abre os braços no colchão, fabricando uma imagem que lembra Cristo crucificado. Construída e filmada de modo a anular a profundidade de campo, a cenografia do quarto em meio às ruínas da casa da família reflete o artificialismo que marca a encenação do diretor e que serviu de ponto nodal para muitos dos críticos que rechaçavam seus filmes. Gustavo Dahl (2011, p. 53) reitera que Biáfora considerava que “o estúdio não é o terreno inimigo, é o locus privilegiado onde o real devendo forçosamente ser recriado tornará a expressão condição sine qua non”. Destaca-se ainda a transformação visual bastante sugestiva do casarão burguês para a boate que, concluída numa das cenas, alicerça a dinâmica da comparação do arcaico para o trivial e extrapola a relação de referencialidade, conferindo um caráter indicial, características definidas por Charles e Mirella Affron (1995). Sendo decisivas na poética de Biáfora a descoberta do cinema de gênero americano e a política dos autores sistematizada pela Cahiers du Cinéma do final dos anos 1950, o mapeamento empreendido pelo cineasta revela a possibilidade de encarar o estúdio não como um desafeto, mas, sim, como a possiblidade de dotar o real de novas possibilidades. |
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Bibliografia | AFFRON, Charles; AFFRON, Mirella. Sets in motion: art direction and film narrative. New Brunswick: Rutgers University Press, 1995. |