ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | O intimismo distante em Wanda e A Mulher Sem Cabeça |
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Autor | Vicente Nunes Moreno |
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Resumo Expandido | Verónica, a protagonista de “A Mulher Sem Cabeça” (2008, Lucrecia Martel), sofre um acidente de carro que a coloca num estado de perda de memória e desconexão com os outros e consigo mesma. Já Wanda, a personagem título do mítico e único filme de Barbara Loden (1970), parece viver em um estado de permanente dormência, de um olhar ausente, de uma inação e passividade fora do comum. Ambas se veem deambulantes, conduzidas por homens que as dizem o que fazer, que controlam as circunstâncias ao seu redor e as relegam a um segundo plano, anulam ou amordaçam as suas inquietações. Os contextos nos quais se inserem, no entanto, não poderiam ser mais distantes. Enquanto Verónica é “protegida” por uma família estruturada, ou que ao menos se esforça para manter uma aparente estabilidade, Wanda está totalmente desamparada, alienada de seus filhos, sem ter ninguém que se preocupe com ela. Enquanto Verónica pertence à elite de Salta, vivendo em uma casa ampla, com consultório próprio e acesso à piscina do clube, Wanda mal tem onde morar, não tem dinheiro ou emprego, e submete-se aos tratos mais abjetos de um psicopata perigoso que a leva consigo sem nenhuma promessa de afeto ou cuidado. Recorrendo às bases propostas por Genette (1995) e atualizadas por Jost e Gaudreault (2009), podemos traçar uma análise comparativa da modulação narrativa dos dois filmes. Nesse esforço, percebemos em comum um certo intimismo distante, que nos mantém próximos às personagens, mas por vezes externos à sua cognição e aos seus sentimentos. Essa tendência à focalização externa, no entanto, é atingida a partir de estratégias estilísticas bastante distintas. Em “Wanda”, há espaço para improviso, para uma câmera sempre solta e atenta aos estímulos do real, numa proximidade ao cinema verdade ou a um realismo revelatório. Já em “A Mulher Sem Cabeça”, o enquadramento se impõe, restritivo e soberano, organizando um caos perfeitamente calculado, controlando o acesso à uma realidade orquestrada, mas não menos complexa e verdadeira. A grosso modo, enquanto Loden privilegia a mostração profílmica, o mise en scène, Martel nos traz uma demonstração do poder de modulação da mostração filmográfica, o misé en cadre (GAUDREAULT, 2009: p.92). Mais do que um levantamento exaustivo dessa modulação, nos interessa pinçar momentos específicos e significativos que exemplifiquem essa diferença de posturas, para então perguntar-se como essas escolhas de narração dialogam com a situação e expressão das duas personagens. O controle e restrição que percebemos em “A Mulher Sem Cabeça” manifesta no estilo o círculo fechado no qual se encontra a personagem, a redoma de vidro que a contém e da qual ela tenta em vão escapar (como fica claro no plano final do filme). Uma redoma que se racha no acidente, onde se abre uma brecha para outra escuta, uma brecha para os fantasmas, para a culpa, para a autonomia de escapar do papel que os outros lhe impõe. Wanda, ao contrário, parece carecer desta restrição. Está solta, perdida, não tem essa cobrança ou uma redoma que a contenha (talvez apenas a que carrega dentro de si). Assim como a câmera, segue quem passa a sua frente, conduzida pelo movimento caótico e imperfeito dos encontros. Sua chance de redenção é através do outro, na busca de um possível vínculo, de um lugar para si, mas Wanda não encontra esteio, o real a atropela, é maior do que ela - não há transcendência ou elevação na crua realidade, nem para a personagem, nem para a narração. Seja pela via do controle e da restrição, ou do descontrole e do improviso, ao mantermo-nos externos às personagens, amplia-se o mistério e a ambiguidade dos seus anseios e angústias, algo que talvez nem elas próprias consigam acessar com clareza. Paradoxalmente, nos privar de um acesso ao olhar e ao saber de Wanda e Verónica, nos aproxima da situação delas, dessa mudez ou falta de escuta ao qual são submetidas. |
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Bibliografia | GAUDREAULT, André. “From Plato to Lumière: Narration and Monstration in Literature and Cinema”. Toronto: University of Toronto, 2009. |