ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Mangue Bangue, filme-limite |
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Autor | Theo Costa Duarte |
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Resumo Expandido | Pretende-se discutir Mangue Bangue (1971), de Neville D’Almeida tendo em vista a sua proximidade com propostas do parceiro do cineasta, o artista Hélio Oiticica, ressaltando a convergência de ambos na experimentação com a forma cinema em interface com distintas mídias visuais e audiovisuais. Releva-se nessa análise o empenho destes pela experimentação formal, de busca de ampliação das sensibilidades, catalisada pela precariedade dos meios técnicos à disposição mas também por “necessidade e negação” (OITICICA, 1973a, p. 115) às convenções do cinema narrativo-representativo-industrial e ao contexto fraturado do início dos anos 1970 no Brasil, de barreiras quase intransponíveis para a prática artística livre e sua circulação, que existia somente à margem dos ambientes artísticos estabelecidos. É o que Oiticica (1970) denominaria de subterrânia, um termo criado em referência à ideia de clandestinidade do underground norte-americano e da linguagem experimental que o caracterizava, mas diferenciando-se deste por assumir também uma posição ético-política face à repressão. Mangue Bangue seria exemplar dessa subterrânia, rarefeita convergência de interesses que se solidificou em obras realizadas em condições de extrema precariedade no país ou no exílio. Liberto das conformações exigidas pelo mercado exibidor e pela censura, o filme pôde consequentemente ser realizado à margem das convenções cinematográficas e expressar mais diretamente a exasperação diante da “super paranoia, repressão, impotência, negligência do viver” (OITICICA, 1970) que marcava o período. Mais especificamente, em termos técnico-formais, o filme foi concebido tendo em vista a ausência de diálogos, edição e mixagem de som em razão de falta de recursos disponíveis. Assim, a banda sonora do filme é descontínua, sem relação direta com a montagem visual (como na futura parceria nas “Cosmococas”, um “prolongamento da experiência de cinema de Neville” (OITICICA, 1974, p. 123). A montagem por sua vez é rítmica, conectando as sequências como blocos quase autônomos, com poucas articulações entre si e em torno de uma intriga. Negava assim o privilégio da comunicação e de encadeamentos narrativos constituinte de quase todo o cinema. A partir das limitações da produção negava a predominância das referências teatrais e literárias do cinema enfatizando, ao contrário, a dimensão plástica dos planos, os arranjos espaciais e temporais, o ritmo dos encadeamentos e, eventualmente, planos de pura expressão nos quais o sentido lógico-verbal é suspenso. Há também no filme a busca do que Oiticica denominaria como “situações-limite” (1966) em tomadas em longos planos-sequências autônomos de uma espécie de jogo ou ritual a partir dos quais os atores-participantes improvisavam. Pretendia-se assim valorizar o instante e o detalhe imprevisto que poderia surgir nessas condições. Como no cinema de Andy Warhol, o próprio ato da filmagem, o prazer de registro espontâneo de uma comunidade parece interessar mais do que a constituição de uma obra acabada. Assim, no rastro de propostas neovanguardistas de quebra das separações entre arte e vida presentes nas diversas proposições de Oiticica e no que foi a principal inovação do cinema underground (“a invenção do filme como prática mais do que como manufatura” (JAMES, 1989, p. 120) Neville enfatizava a própria prática cinematográfica como performance, como uma atividade descolada de um produto final. À margem de mediações institucionais de qualquer ordem o cineasta realizou este “filme-limite” (experiência artística realizada “à beira de um colapso ou abismo entre um tipo de linguagem e (...) negação de linguagem como instituição de produção de resultados (obras)”(OITICICA, 1973b) a partir de uma dinâmica processual, mais próxima àquela dos artistas visuais contemporâneos. Experiência-limite que se repetiria somente no campo das artes visuais ou em alguns poucos esforços individuais no cinema, sem qualquer rastro de uma movimentação de grupo como aqui. |
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Bibliografia | BUCHMANN, S.; CRUZ, M. J. H. (orgs.), Hélio Oiticica & Neville d’Almeida: Cosmococa. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2014. |