ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | O presidente que fala a língua das (suas) imagens |
|
Autor | Giselle Beiguelman |
|
Resumo Expandido | Feicebuqui, Feicebuqui, Whatizape, Whatizape!!! Com essa saudação inédita em qualquer posse presidencial, a imprensa foi recebida por manifestantes na Esplanada dos Ministérios, no dia 1o de janeiro de 2019, em Brasília. A saudação fazia jus ao estilo do novo titular da pasta, Jair Messias Bolsonaro. Nas suas redes sociais o presidente deixa claro que elas não foram apenas meios de acesso ao poder. Mais que veículos de comunicação pessoal, as redes são o seu principal canal institucional e o lugar de construção de sua imagem. Imagem essa que é a linguagem pela qual está sendo escrita a história oficial de seu governo. Bolsonaro é o político com maior número de aliados digitais entre os latino americanos. E isso é resultado de um trabalho milimétrico e militante, labutado entre teclados e câmeras que percorreram os mais diversos ambientes durante sua campanha presidencial. De gabinetes a salas de estar, passando pela cozinha, a churrasqueira de casa, o caixa automático, e até seu leito na UTI quando esteve hospitalizado. Completam o quadro muitas lives no Facebook. Nessas falas ao vivo, ganha força um regime visual que fez toda a diferença nas regras do jogo político que o presidente Bolsonaro protagoniza. São imagens precárias, por vezes fora de foco, feitas com câmeras mal posicionadas, iluminação descuidada, ângulos distorcidos e que dominaram suas aparições. O que dá o tom a tudo é uma certa desarrumação geral, com cara de cenário improvisado, sempre constante nessas gravações. Retoma-se aí a estética amadora (Feldman, 2012; Polydoro, 2014) e a retórica visual (Danton ,2010) consolidada pela apropriação da linguagem do vídeo caseiro que explodiu com o YouTube e que surge como estratégia de aproximação do “mundo real”. Diante das (próprias) câmeras, Bolsonaro ri, fica sério, desafia “a mídia”, prepara o pão com leite condensado do seu café da manhã, vai ao açougue e faz churrasco, aparece no barbeiro, posa com a filha, descansa no sofá, compartilha mimos recebidos de seguidores anônimos. De camiseta esportiva, shorts, de calça moletom e chinelos Raider e mesmo de terno e gravata, já no posto de presidente, ele não fala com seu eleitor, ele o exprime. E ao exprimi-lo, conforme escreveu Roland Barthes, comentando a fotogenia eleitoral em seu livro Mitologias, transforma-o em um herói, convidando o eleitor a eleger-se a si próprio. Essa frequência vibratória não se desfez com a eleição. Pelo contrário. Da vitória no primeiro turno até os primeiros dias de governo ela só cresceu. Trata-se de um verdadeiro ritual mobilizatório, uma estratégia de comunicação intensa que mais parece uma campanha eleitoral sem fim. O registro da viagem do Presidente e sua comitiva ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, por exemplo, é uma súmula de imagens e frases de efeito contemplando uma sequencia de sucessos. Dispensável dizer que a foto mais marcante dessa temporada, a da coletiva de imprensa a qual o presidente não compareceu, com as cadeiras vazias, não consta dessa história oficial narrada nas redes. A força dessa imagem não está na contranarrativa que ela expõe sobre a participação brasileira em Davos, mas no que revela sobre a retórica visual do presidente. “Como uma prática”, escreveu Arthur C. Danto em A Transfiguração Do Lugar Comum, “a retórica tem a função de induzir o público a tomar determinada atitude em relação ao assunto de um discurso, isto é, de fazer com que as pessoas vejam a matéria sob determinado ângulo.” E esse ângulo, no caso do presidente, é estratégico. Sua retórica visual opera como um fator compensatório, que supre tudo aquilo que sua oratória não entrega. Mas isso só funciona se comandada a partir das suas próprias câmeras. Na impossibilidade de falar detrás das suas telas, a imagem do presidente some e, com ela, sua voz desaparece. E segue o jogo da nova história oficial do Brasil, atualizado nas retóricas visuais das disputas do imaginário on-line. |
|
Bibliografia | BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: DIFEL, 1985 |