ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Fantasma, anacronismo e memória na montagem audiovisual contemporânea |
|
Autor | Michael Abrantes Kerr |
|
Resumo Expandido | O cenário contemporâneo motiva a ascensão de um audiovisual que apresenta uma característica que denomino de estado-fantasma, baseado no contágio de umas produções sobre outras. Essas imagens aparecem como se fossem espectros que ressuscitam. Ao lidar com a memória, os fantasmas passam a ser estratégias que fazem uma relação do presente com o passado. A fantasmagoria se alimenta de um estado em potência que vive entre uma coisa (virtual) e outra (atual). Na discussão aqui apresentada, proponho uma aproximação de um tipo de material que tem como base uma câmera fixa e um enquadramento que mostra duas mãos da pessoa que produz o vídeo e o objeto que ela manuseia competindo pelo mesmo espaço no quadro. Tratam-se dos vídeos Surprise Eggs, Slime e Unboxing e que geram outros, como é o caso do videoclipe Colors, do cantor Beck. e que tomam como base para realização os vídeos similares que são postados anteriormente, assim como o próprio ambiente criado pelo YouTube, que se mantém em cada material como um fantasma que os assombra. Benjamin (1984) vai nos dizer que o passado vai relampejar como imagem no momento em que é reconhecido, não necessariamente como “ele de fato foi”. Portanto, os devires que estão em virtualidade nas imagens, funcionam como ruínas que atualizam esses produtos audiovisuais contemporâneos. Um produto audiovisual, feito com o dispositivo da câmera fixa e enquadramento das mãos, parece reexaminar um tipo de montagem que tem origem nos primórdios do cinema. Nesse sentido, o anacronismo surge de maneira muito forte, à medida que um único plano traz tempos e durações diversas acumuladas e montadas. Esse turbilhão de informações em um plano que parece tão simples, nos faz refletir sobre o estatuto da imagem e da montagem num audiovisual que quer sempre se rememorar e se reproduzir. Para Michaud (2014) a reprodução condiciona a essência do cinema. Tanto é que no início do cinema repetiam-se vários assuntos para garantir a existência de filmes que, muitas vezes, eram destruídos na produção das cópias. Um exemplo é o filme Viagem à Lua, de Meliès, filmado em 1902 e refilmado por Segundo de Chomon em 1908, com outro nome. A câmera fixa monta escondendo. Uma lógica que coloca em quadro apenas aquilo que deve ser mostrado e exclui os bastidores. É justamente isso que produtos audiovisuais aqui discutidos fazem. Um retorno à produção dos primórdios. A câmera recorta apenas o que lhe interessa mostrar. A montagem ocorre por meio dessa lógica, muito parecida com aquela dos filmes do início da história do cinema. O ambiente também é responsável por essas produções. Uma mescla de ambiente digital que gera um novo tipo de imagem, com um ambiente físico que lembra muito as produções do passado. O fantasma age diretamente sobre esse tipo de produção, pois traz a memória audiovisual na sua lógica. É, então, que o anacronismo na montagem aparece. As produções aqui discutidas fazem sobreviver imagens e criam outro tempo que é próprio do fantasma. Este, como algo que retorna do passado no presente, desnorteia a história. Segundo Didi-Huberman (2013), a sobrevivência descreve um outro tempo, ela anacroniza. Assim, percebemos o audiovisual sendo construído por sua antiguidade, anacronismos e sugestões para o futuro. A imagem-cristal de Deleuze comparece de maneira exemplar nestes produtos audiovisuais. Produções, que parecem simples, estão potencializando as discussões sobre o estatuto da montagem audiovisual, à medida que trazem do passado e de diferentes ambientes (digital e físico) o seu modo de agir. Assim, paralelo a um audiovisual digital que utiliza todas as novas possibilidades de efeitos especiais, há também aquele em que a montagem é quase inexistente por meio da sobrevivência de um tipo de imagem (assim como de montagem) que anacroniza a história. Para Didi-Huberman (2013), a noção cronológica de duração cai por terra. Portanto, a sobrevivência das imagens anacroniza o passado e o presente. |
|
Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo. Revista Outra Travessia n. 5,Ilha de Santa Catarina - 2° semestre de 2005 |