ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | "Narrador" em extinção? Uma análise de Estamira e Os Catadores e Eu |
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Autor | Suzana Schulhan Lopes |
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Resumo Expandido | Walter Benjamin relacionou a extinção da narrativa com o desolamento causado pela guerra, comprometendo "uma faculdade que parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências" (BENJAMIN, 1994, p.198). O silêncio acometia os soldados, que, enlutados, voltavam calados das trincheiras. Assim, da experiência da perda passa-se a viver a perda da experiência. O emudecimento compromete a arte da narrativa e, ainda, da figura do narrador, que, nas palavras do autor, está em extinção, descartado. O alargamento do capital na vida moderna parece só mais acirrar o diagnóstico do frankfurtiano, e os sujeitos acabam por produzir mesmo suas subjetividades sob influência de uma lógica financeira e empresarial: como nos atualizam Pierre Dardot e Christian Laval, ao passarem a limpo os lugares comuns do capitalismo interminável processo de valorização do eu. Não há, logo, espaço para história e narração, que são descartadas. Dois filmes que se passam ao redor de (outros) descartes, porém, parecem proteger o intercâmbio e troca de histórias, portanto proteger a figura artesanal do narrador, ainda que em meio à realidades só mais atravessadas pelo capital. São eles "Estamira", de Marcos Prado (Brasil, 2006), e "Les glaneurs et la glaneuse", de Agnès Varda (França, 2000). Enquanto que no primeiro temos uma vida retratada a partir dos descartes, no segundo temos os descartes retratados a partir das vidas. Em um, o descarte é coadjuvante, noutro, protagonista. Além dessas primeiras observações, os filmes representam potenciais materiais de análise para problemáticas a respeito 1- do "lixo", do que é socialmente considerado descarte em cada filme; 2- de qual espaço geográfico se destinam os descartes nas diferentes obras; 3- dos contextos e atores sociais presentes (os "sistemas relacionais" e "pontos de fixação", para citar Pierre Sorlin) e, principalmente, hipótese mobilizadora da pesquisa, 4- do aparecimento do narrador, uma vez que o tom artesanal e conselheiro (que serviram à conceituação de Benjamin) comparece fortemente ao longo de ambas as produções, com suas especificidades a serem analisadas e comparadas. O cinema e a invenção da vida moderna – como podemos reconhecer junto de Ismail Xavier – evidenciam de que maneira, no final do século XIX, se instituiu socialmente uma forma do olhar que encontrou no cinema sua expressão. Algo que se ampliou e se complicou no século XX, com a nitidez maior dos fenômenos de massa e, numa fase seguinte, com o horizonte de coextensividade entre real e imagem, fato e espetáculo. "É esta potencialidade singular", nas palavras de Fernão Ramos, "que pode nos situar em uma perspectiva instigante para pensarmos a tradição da narrativa documentária em particular, e as imagens não-ficcionais de um modo geral" (RAMOS, 2001, p11). Dessa forma, tem-se que o cinema é uma "forma de conhecimento, permitindo melhor compreender tanto conceitos e temas que articulam a abordagem política, quanto compreender o sentido das práticas políticas que se desenvolvem na sociedade" (CHAIA, 2014, p-6). Toma-se, então, os filmes como ponto de ancoragem para extrair significados que não estão lá, dados, falando por si mesmos, mas que podem ser encontrados a partir das perguntas que o pesquisador lhes faz (ROVAI, 2017): são procedimentos metodológicos da sociologia do cinema. Isto posto, sustentar os lugares da minha área de pesquisa expondo-a às ambiências da outra área que ela envolve é cumprir com a responsabilidade que a formação interdisciplinar do saber merece. Trata-se da importância em produzir conhecimento e reconhecimento acadêmico utilizando da produção cinematográfica também enquanto objeto de estudo das ciências sociais, fazendo coro ao tema do XXIII Encontro da SOCINE, afinal "Preservação e Memória" só são possíveis através da conservação, e não do descarte de narrativas. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Brasiliense, 2017. |