ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Interpelações arquivísticas no cinema lésbico contemporâneo |
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Autor | Adriana P F Azevedo |
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Resumo Expandido | Segundo Derrida em Mal de Arquivo: Uma impressão Freudiana (2001), na Grécia antiga, os cidadãos que possuíam poder político tinham o “direito de fazer ou de representar a lei” (Derrida, 2001, p. 12). Por terem poder legislativo e autoridade publicamente reconhecida, os documentos oficiais eram armazenados em seus domicílios. Tais figuras guardiãs das leis foram denominadas “arcontes”. Derrida destaca ainda que, fora a função de depositar os documentos oficiais em suas próprias casa, “cabiam-lhes também a competência hermenêutica” (Ibid., p. 13). O arconte era, portanto, ao mesmo tempo guardião e responsável por interpretar o conteúdo do que guardava. O arquivo é ao mesmo tempo revolucionário e tradicional. Ele reúne e reserva, fazendo respeitar a lei, “a lei que é da casa” (Derrida, 2001, p. 18). O seu funcionamento se dá a partir de um cruzamento entre o topológico (o lugar, o domicílio, a residência) e o nomológico (a lei). Já o arquivista tem a função patriártica, que abriga e dissimula. O poder do arconte acumula as funções de unificação, classificação e identificação, e possui inclusive o “poder de consignação”: “A consignação tende a coordenar um único corpus em um sistema ou uma sincronia na qual todos os elementos articulam a unidade de uma configuração ideal”. (Ibid., p. 14) O arquivo tem a força da lei, “a lei da casa (oîkos)”, “da casa como lugar, domicílio, família ou instituição”. (Ibid.: p. 18) A própria ideia de arquivo implica, portanto, em uma verdade arquivista (ou arquivada). Ela dá corpo ao saber histórico produzido a partir do acúmulo de traços da memória. No entanto, os traços e as inscrições da memória são as eleitos pelo próprio arconte, que funciona como um “curador”, mas também censor. Para que a verdade do arquivo exista, é necessário que haja também “recalque” e “repressão” (“repression” e “supression”) (Derrida, 2001, p. 50). No livro The Archive of Feelings (2003), Ann Cvetkovich propõe o conceito contra-arquivo queer, uma forma de arquivo que atua justamente no desrecalque de elementos que ficaram de fora dessa curadoria heteropatriarcal mapeada por Derrida. Para isso, é preciso um outro gesto, é preciso outras formas de arquivar e é preciso trabalhar com outros vestígios. Cvetkovich vai chamar esse arquivo, também, de “arquivo de sentimentos”, justamente para dar conta dessa outra lógica necessária ao reprimido, ou ao ausente das histórias oficiais. Quais seriam, portanto, a forma como cineastas lésbicas têm trabalhado essas interpelações arquivísticas? Como o audiovisual produzido por corpos minoritários podem contribuir para uma reflexão crítica acerca da ideia de uma “memória audiovisual” ou de um “arquivo audiovisual”? Em “Welcome to this house”, a diretora compõe o arquivo afetivo de Elizabeth Bishop em um documentário em forma de ensaio poético. O corpo lésbico de Bishop é colocado em cena, em uma afirmação poética contra a invisibilização de uma parte da sua história, negligenciada pela construção biográfica feita pelas vozes vindas da literatura, sempre tão resistentes em dar a importância devida aos aspectos biográficos de escritoras mulheres e, sobretudo, mulheres lésbicas. Cheryl Dunye, diretora liberiana radicada nos Estados Unidos, também faz intervenções na História através do uso criativo do arquivo em seu filme The Watermelon Woman (1996). The Watermelon Woman é um filme independente que combina narrativa experimental e forma documental. O roteiro é centrado na vida e trabalho de Cheryl, uma mulher negra lésbica que é cineasta e vive na Filadélfia. Cheryl narra a busca de sua protagonista pelos resquícios biográficos de uma atriz negra que atuava nos filmes “plantation” e apagada da história audiovisual - ela era creditada apenas como “Watermelon Woman”, e seu nome verdadeiro não aparecia nos créditos dos filmes nos quais atuava. Pretende-se, assim, produzir uma espécie de rasura à ideia de arquivo e uma reivindicação e apropriação do que é a memória que merece ser rememorada |
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Bibliografia | AARON, Michele (ed.). New Queer Cinema – A critical reader. Nova Jersey: Rutgers University PRess, 2004. |