ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Telenovela: do espelho ao retrato, do reflexo à memória |
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Autor | Álvaro André Zeini Cruz |
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Resumo Expandido | Produto cultural mais popular na rotina dos brasileiros – tanto no sentido de atingir milhões de espectadores quanto por se apropriar de elementos da cultura popular e realocá-los na cultura de massa (BORELLI; PRIOLLI, 2010) –, a telenovela é uma representação que não só mimetiza e dialoga com contextos históricos, sócio-políticos, econômicos e culturais do país, como também se codifica a partir da leitura imediata que o público faz dessa representação. Desta forma, atua como uma vitrine, que testa a aceitação de pautas de consumo e discussão (HAMBURGER, 2015), e como um espelho, que recorta, determina e exibe uma determinada representação do país, buscando uma homogeneidade que se antes atendia as demandas do regime militar, hoje continua conveniente às emissoras e ao mercado publicitário. Historicamente, esse ideal homogeneizado reproduzido pela telenovela lapidou uma identidade nacional, como narram trabalhos como os de Lopes (2003), Hamburger (2015), Mattelart (1989) e Ortiz (1989; 1991). Essa identidade nacional é diariamente negociada junto aos telespectadores e a decodificação por parte do público interfere diretamente no processo de codificação/produção (HALL, 2003) da telenovela, o que a põe sob a condição de “obra aberta”. E apesar da combinação entre melodrama, realismo e folhetim permanecer basilar no que se considera uma fórmula de sucesso, o diálogo entre a telenovela e o público é atravessado por variáveis internas (questões narrativas, estilísticas ou de produção), e externas, que envolvem não só condições de recepção (as negociações entre público e o fluxo televisivo) como também o momento histórico e a vida social, cultural e política do país. Essa interlocução faz com que ela se configure como um registro temporal e, consequentemente, como memória. O propósito de criação de uma identidade nacional opera sobre uma construção memorativa, uma vez que essa identidade diluída no cotidiano vai se tornando familiar (KEHL, 1989) e sendo acumulada. No Brasil, essa identidade-memória da telenovela tem negociado com valores representativos da própria televisão – a modernidade, como apontam Lopes (2003), Ortiz (1989) e Schelling (2000) –, e traços característicos da personalidade brasileira, como a cordialidade discutida por Sérgio Buarque de Holanda, que propicia confusões entre os espaços público e privado. Esse embate está no cerne das negociações da telenovela, uma vez que a telenovela sobrepõe o espaço doméstico à esfera pública ao estruturar-se num ponto de vista acolhedor (MODLESKI, 1979), que propicia uma memória afetiva pública, mas centrada num imaginário acerca do íntimo e do privado. Essas negociações em torno da identidade nacional e o registro temporal por ela deixados fazem com que a história da telenovela opere tanto uma memória documental (as marcas circunstanciais do tempo sobre a produção) quanto coletiva, como pontua Motter (2000, p. 76-77). Assim, o presente trabalho parte de uma memória já destacada pela bibliografia sobre telenovela e pela imprensa televisiva para desdobrar essa classificação memorial entre telenovelas que marcaram por meio de suas narrativas, que se destacaram por construções estilísticas (relativas à concepção das imagens e sons), que foram impactadas por circunstâncias provenientes do momento histórico em que foram exibidas, que apresentaram novas pautas originais ao espectador, que propuseram retratos instantâneos potentes dos momentos de sua exibição, ou que foram impactadas por episódios extra-diegéticos, como o caso Daniela Perez, que propiciou um confronto singular entre realidade e ficção. Essa reclassificação, que parte da questão da identidade nacional e da afetividade que cerca a telenovela, reconhece que está sujeita à negociações e zonas tangenciáveis, mas opera sobre uma tríplice fronteira da telenovela: os limites do espelho, da vitrine e do retrato, ou seja, da reflexão do agora, da automanutenção para o futuro e do registro do passado. |
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Bibliografia | CRUZ, Álvaro André Zeini. Renascer: narrativa cordial e estilo maneirista na telenovela brasileira. – Campinas, 2018. |