ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Enlace onírico: limiares sonoros no filme musical |
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Autor | Letícia Xavier de Lemos Capanema |
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Resumo Expandido | Propomos investigar a tessitura sonora de filmes musicais. A partir das passagens entre a encenação convencional e o número musical, buscamos observar os limiares sonoros, destacando o entrelaçamento entre a realidade diegética e o nível onírico/subjetivo. Para isso, preliminarmente, são levantadas questões referentes às origens da música no cinema, às analogias entre filme e sonho e à propriedade rítmica presente na música e na imagem em movimento. Sabe-se que a música acompanha a projeção fílmica desde os primórdios do cinema. Essa relação inicial foi investigada por diversos historiadores (GORBMAN, 1987; CHION, 1992; ALTMAN, 1992). As explicações para esse fenômeno abrangem desde a necessidade de abafar o incomodo ruído do projetor à criação de uma ambientação onírica, propiciadora da abertura dos sentidos. As analogias entre filme e sonho são igualmente antigas e foram retomadas de maneira profícua a partir do anos 1970. Jean Louis Baudry (1978), por exemplo, empreende aproximações entre a projeção de filmes, a alegoria da caverna de Platão e a “Interpretação dos Sonhos” de Freud. Já Christian Metz (1975), em suas comparações entre filme e sonho, postula que o cinema estaria mais próximo do devaneio, do sonhar acordado. Ademais, pode-se constatar que música e imagem em movimento compartilham propriedades fundamentais, visto que são formas expressivas que se dão no tempo, sendo, portanto, criadoras de ritmo. No entanto, as relações históricas, oníricas e ontológicas entre música e cinema ganham outros contornos com a emergência do filme musical como gênero cinematográfico. Se considerarmos, por um lado, o poder de encantamento da música e, por outro, o dispositivo cinematográfico como máquina de sonhos, o filme musical seria, potencialmente, uma expressão bem acabada da função onírica do cinema. Tal potência delirante faz com que o filme musical assuma altos riscos no processo de “suspensão da descrença”. Contudo, a inverossimilhança dos números musicais não provoca a ruptura do pacto da ficção. Pelo contrário, é no filme musical que o cinema assume, de maneira mais nítida, aquilo que é: um discurso onírico, encantadoramente artificial. Gilles Deleuze, em “Imagem-tempo” (2013), havia observado a potência onírica dos musicais. Segundo o autor, na comédia musical, “o ato cinematográfico consiste em que o próprio dançarino entre em dança como se entra no sonho”(2013, p.79). Para Deleuze, o limiar sonoro/cinético nos filmes musicais é o momento “em que o dançarino ainda está andando, mas já é o sonâmbulo que será possuído pelo movimento que parece chamá-lo” (2013, p. 78). Michel Chion (1992, p.111) também atribui à música a capacidade onírica de envolver e transportar para outra dimensão. Como um assobio no escuro (siffler dans le noir), a música conduz à atmosfera dos sonhos. Nos números musicais, acende-se do nível narrativo rumo ao sonho implicado e depois retorna-se à diegese, sem que esses deslocamentos quebrem o pacto da ficção. No musical, o ritmo brota de dentro da cena. Do estado de vigília ao enlace onírico, a música nasce da banalidade sonora de objetos, corpos e espaços. O encontro da cena com a música ocorre por meio de gestos, ruídos e silêncios que entram em consonância para gerar cadência, retomando a natureza rítmica que une ontologicamente cinema e música. Para refletir sobre o tema, serão analisadas cenas de “Cantando na Chuva” (1951) e “Dançando no Escuro” (2000). Embora sejam filmes de contextos e propósitos distintos, ambos apresentam ricas articulações sonoras nos trânsitos entre cenas convencionais e números musicais. É nas passagens que a música se (de)compõe, reduzindo-se ao seu elemento primeiro e inorgânico, o som. Assim, interessa-nos examinar as nuances da integração musical a outros sons (falas, ruídos) e imagens (ações, enquadramento, montagem), buscando refletir sobre o limiar sonoro como terreno de tensões em que convivem distintos níveis ontológicos e diegéticos. |
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Bibliografia | ALTMAN, Rick. Sound theory, sound practice. Nova York: Routledge, 1992. |