ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | O diálogo com Glauber Rocha em Viagem a Niklashausen, de Fassbinder |
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Autor | Mateus Araujo Silva |
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Resumo Expandido | Apesar de pouco atento ao universo dos países e das cinematografias latinoamericanos, Fassbinder dirigiu em 1970 um filme, Viagem a Niklashausen, que torna patente um diálogo muito revelador com o par de filmes sertanejos (Deus e o Diabo na Terra do Sol, 1963, e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, 1969) de Glauber Rocha - que no entanto nunca deu muita importância ao colega alemão. A comunicação explora a apropriação singular, pelo filme de Fassbinder, de alguns aspectos salientes daquele par de filmes glauberianos, a começar pelo seu horizonte histórico de retomada de um impulso de revolta popular do passado em função da luta política no presente. Se Deus e o Diabo recapitulava uma tradição de revoltas populares no Brasil a partir de uma vertente religiosa (da qual o episódio de Canudos era o emblema) e de uma vertente do banditismo social (representado pelo cangaço) para vislumbrar uma revolução socialista no Brasil dos anos 1960, Viagem a Niklaushausen se inspirava numa revolta camponesa do século XV ao sul da Alemanha para entabular uma meditação sobre a revolução na Alemanha do fim da década de 1960. No diálogo com o gesto glauberiano, o filme de Fassbinder retoma ainda mais fortemente O Dragão da maldade, criando personagens que ao mesmo tempo ecoam e deslocam os de Glauber (o falso Cristo Hans Böhm em relação a Coirana, a falsa Virgem Maria em relação à Santa de Glauber, le "Black Panther" Günther Kaufmann em relação ao Negro Antão, o conde Franz Maron em relação ao coronel Horácio, a condessa Margareth em relação a Laura e assim por diante), revisitando politicamente uma iconografia cristológica (importante em Glauber, rara em Fassbinder), dando corpo a uma versão alemã do projeto tricontinental que animava à época Glauber e Godard, entre outros. E convocava de modo ainda mais explícito o personagem de Antônio das Mortes, literalmente transposto para o mundo germânico, de modo a contracenar com o próprio Fassbinder. Ao colocar Fassbinder ao lado do personagem glauberiano, o filme estabelece a seu modo uma alegoria do diálogo entre os cineastas, comparável àquela outra criada por Godard e Gorin em Vent D'Est (1969). Trata-se também de pensar o sentido desta alegoria. |
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Bibliografia | ARAÚJO, Mateus: “Jean-Luc Godard e Glauber Rocha: um diálogo a meio caminho”. In Puppo, E. e Araújo, M. (org.). Godard inteiro ou o mundo em pedaços. CCBB / Heco, 2015, p.29-44 |