ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | O afeto fantasma |
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Autor | Andre Piazera Zacchi |
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Resumo Expandido | Nesta apresentação quero debruçar-me sobre quatro fragmentos de “Apuntes para una biografía imaginária” de Edgardo Cozarinsky (2010). Assim como outros “apuntes” no filme, estes são apresentados e intitulados por uma cartela de texto sobre fundo preto: "Luz de um cuerpo" 1, 2, 3 e 4. Neles, rostos estão entregues a seus pensamentos e vivem uma transformação, uma crescente intensidade de pathos. O olhar às vezes é fixo e vago, noutras lentamente titubeia sem se fixar, sugerindo que a emoção é causada por um extracampo imaginário, conjurado pela memória mas inacessível ao espectador. Durante esses quatro fragmentos nenhum texto é falado. Apenas a música instrumental minimalista de Ulises Conti, "Luz de un cuerpo", que é prévia ao filme, toca repetidamente, reforçando a atenção que o filme quer dedicar aos rostos. Um afeto-fantasma que assombra a montagem, demandando realização imagética. Também o personagem biografado é de certa forma fantasmal, recusado ao espectador. Podemos imaginá-lo pelo desejo que deposita nesses 15 "apuntes". Aparece mais pelas direções nas quais aponta, pelas opções da montagem de fragmentos como notas para uma biografia. Essas imagens dão a ver um pensamento: de que não há biografia que prescinda da memória e que não há memória sem desejo e retorno. E assim, qualquer texto biográfico é sempre contingente, sempre parcial, sempre histórico (não do acúmulo do historicismo mas da contingência da historicidade). Partindo de imagens que lhe são caras, de fragmentos de filmagens antigas suas, mas entremeadas por cada "Luz de un cuerpo", as notas se afastam da personagem Cozarinsky como possível biografada e se multiplicam em conexões virtuais que podem engajar qualquer um nesse papel. Jean Epstein já falava do corte que todo primeiro-plano digno deste nome opera. Rompimento com coordenadas espaço-temporais. Balázs também argumentava nessa direção, chamando o primeiro-plano de entidade. Deleuze a chamou de imagem-afecção. "A imagem-afecção é o primeiro-plano e o primeiro-plano é o rosto". As conexões que esse tipo de imagem produz podem ganhar realização na imagem-ação, pois ela é tendência de ação (Bergson). Mas pode também permanecer como demanda ativa, com múltiplas conexões virtuais, sem se resolver em imagem, assombrando a narrativa, nessa caso, biográfica. Um afeto encenado como tal mas que recusa a sensório-motricidade. Tal escolha acaba por impregnar o todo do filme da visão afetiva (profusão de primeiros-planos) e da operação fantasmagórica (produção de fantasmas). Partindo desses quatro fragmentos do filme de Edgardo Cozarinsky pretendo que esta comunicação toque conceitos como afeto, biografia, memória, primeiro-plano e fantasma. |
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Bibliografia | BERGSON, Henri. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Tradução Paulo Neves. São Paulo, Martins Fontes, 2006. |