ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Bixa Travesty e o queerlombismo: a negritude trans no documentário |
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Autor | Gilberto Alexandre Sobrinho |
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Resumo Expandido | Análise do documentário Bixa Travesty (2018), dirigido por Kiko Goifman e Claudia Priscilla. Trata-se de um documentário com a performer/cantora Linn da Quebrada, e que traz também outra performer, Jup do Bairro, como sua parceira de palco e vida afetiva. Linn co-assina o roteiro, juntamente com os diretores. O documentário articula expressões de imagem e som em relação à autoimagem de Linn, o que desdobra em uma autoria partilhada, à medida que suas performances, arquivos pessoais, ideias, sociabilidade e intimidade que transcorrem na tela são organizados em parceria. Ao espectador é endereçado a figuração de Linn em sua plenitude, inclusive olhando para a câmera. Cinema e música convergem num produto artístico em que as performances de Linn e de Jup não são apenas objeto do olhar e da escuta, elas estabelecem parâmetros estruturais de organização do conteúdo do filme, tornando-se um documentário performático, em que a dimensão performativa ativa camadas de significação. Isso posto, é preciso considerar que o filme, em sua constituição formal estabelece parâmetros distintivos em relação às artistas trans/travestis negras consideradas. Paris is Burning (Jennie Livingston, 1990) um documentário americano tornou-se, a princípio, um marco da representação de artistas transexuais negras e latinas, dos subúrbios de Nova Iorque, ligadas a cena vogue. No entanto, a partir da análise de bell hooks (2019), que leu o filme sob a perspectiva do olhar colonizador da diretora, as imagens e os sons passaram a ter outro significado. Mesmo assim, as sequencias de performances nos balls onde se articulavam a invenção vogue e o conjunto de depoimentos permanecem importantes. Bixa Travesty faz uma ponte com essa obra dos anos 1990, subvertendo a lógica discursiva na relação sujeito-da-câmera e objeto da representação. E é justamente essa subversão o objeto do meu interesse. Assim como Ori (Raquel Gerber, 1989), documentário realizado por uma diretora branca, com Beatriz Nascimento, um marco na definição audiovisual das ideias originais dessa pensadora sobre a ressignificação de quilombo, temos também um casal de diretores não-negros que assumem o que se pode considerar uma aliança estratégica. Não por acaso, reverbera igualmente a ideia de quilombo, traduzida conceitualmente como quilombismo por Abdias do Nascimento, para a compreensão da resistência negra e também dispositivo estético e político, em outra chave. Linn da Quebrada é uma artista transexual/travesti negra (esse par acompanha suas próprias declarações) que viveu no interior de São Paulo (São José do Rio Preto e Votuporanga), em bairros periféricos, numa família evangélica. Depois de uma iniciação performática como drag queen em festas e boates dessas cidades, ela se muda para a periferia de São Paulo e é nesse outro espaço que desenvolve uma carreira focada no funk como gênero musical, articulada às redes sociais. No âmbito do audiovisual, seus dois videoclipes Enviadecer (2016) e blasFêmea (2017) tiveram amplo alcance no Youtube e também em 2017 gravou seu primeiro álbum, Pajubá. Sua inserção artístico-midiática se traduz fortemente na cultura digital e cria conexões potentes com novos realizadores negros, no cinema por exemplo, que também viabilizam seus trabalhos com ferramentas mais acessíveis, do ponto de vista econômico da produção. No documentário, Linn é aguerrida em suas performances, e daí desdobram um afrontamento associado à reflexão constante sobre formações discursivas de corpos e sujeitos, algo que aproxima seu vocabulário dos eixos da chamada teoria queer. São falas e gestos que se somam tecnologias de produção das periferias, no corre da sobrevivência, como também as tecnologias da subjetividade, em que o corpo-travesti é resistência, onde emerge a noção do corpo-quilombo. Uma outra configuração espaço-temporal de uma negritude trans e que oferece pistas para ler o filme a partir de uma matriz cara à ideia de cinema negro: a invenção negra no mundo. |
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Bibliografia | BARROS, L., FREITAS, K. Experiência estética, alteridade e fabulação no cinema negro. Eco (UFRJ), v. 21, p. 97-121, 2018. |