ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Filmar, parar de filmar: cinema na encruzilhada |
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Autor | André Guimarães Brasil |
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Resumo Expandido | Em aliança com os modos de transmissão oral, a mediação das imagens tem centralidade nas experiências pedagógicas do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG. A partir do registro das atividades e de conversas com mestras e mestres, o Programa têm desenvolvido um amplo acervo de retratos e vídeo-aulas, conferindo a estes formatos, pouco a pouco, diferentes modulações a partir da temporalidade, da performance, das falas singulares de cada personagem, e da cena sensível que a abriga. [Esse repertório de filmes, desenvolvidos sob a coordenação de César Guimarães e Pedro Aspahan, vem sendo disponibilizado no site www.saberestradicionais.org.] As imagens têm tido ainda um papel constituinte da dinâmica das aulas e, longe de funcionarem como ilustrações de aspectos da experiência social e cultural das comunidades, são espécies de dispositivos acionadores de diálogos interepistêmicos – ou cosmopolíticos – por meio dos quais concepções herdeiras da tradição escópica ocidental se encontraram com outras, vinculadas a cosmologias xamânicas ou afro-descendentes. Em minha apresentação pretendo privilegiar um acontecimento precisa e intensamente circunscrito. Em paralelo à oferta da disciplina Catar folhas: saberes e fazeres do povo de axé, em 2017, ministramos – os professores André Brasil, César Guimarães e Eduardo Rosse – um laboratório de documentário, no intuito de filmar as festas religiosas indicadas por mestras e mestres. Entre elas, registramos a Festa de Caboclo no Manzo Ngunzo Kaiango, terreiro e quilombo urbano de Belo Horizonte. Para fazê-lo, participamos de uma ampla preparação, negociando com os integrantes do terreiro as expectativas em torno das imagens, em vista aos preceitos da festa, seus protocolos e cuidados. Conjuntamente, decidimos por não priorizar o momento ritual, dedicando-nos às atividades de sua preparação: limpar e decorar o salão, coletar as folhas, cortar e dispor as frutas, elaborar a comida de santo, receber os convidados, cuidar das devidas permissões. Decidimos ainda, entre alunos e anfitriões, por evitar filmar filhos e filhas de santo em momento de incorporação, cena que tanto tem atraído, historicamente, o olhar documentarista. E, então, o acontecimento: enquanto um breve ritual de oferenda ao caboclo Ubirajara se faz lá fora (na casa onde ele está “assentado”), uma aluna decide permanecer na cozinha, filmando a feitura da comida. Próximos a um fogão à lenha, um grupo cuida dos ingredientes, enquanto, no fora-de-campo, insinua-se o toque para o caboclo. Em meio à conversa miúda, o som dos tambores adentra a cena e parece, gradualmente, afetar os corpos em suas tarefas. Alheia à comunicação entre um e outro espaço – a cozinha e a casa do caboclo -, mas atenta ao enquadramento, a câmera se detém: um e depois o outro, os corpos recebem o caboclo. Diante da inesperada incorporação, a aluna precisa se decidir: permanecer filmando o evento inesperado ou parar de filmar, tal como previamente firmado? A segunda opção leva ao corte, à brusca interrupção da tomada. Gostaríamos, assim, de discutir e repercutir esse corte, de implicações ao mesmo tempo éticas, políticas e estéticas. Ao interromper uma via de abordagem da festa (aquela que prioriza a incorporação), o corte abre um conjunto de outras possibilidades para o filme, para o cinema, na relação que estabelece com os sujeitos e os mundos que filma. Nas mãos dos alunos e alunas, as câmeras cinematográficas habitam a periferia do ritual; uma tomada parece reverberar na outra, e o cinema enreda-se numa encruzilhada de ligações, visíveis e invisíveis, dentro e fora de campo, produzindo as imagens e sendo, ele próprio, imaginado. |
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Bibliografia | CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. “Cultura” e cultura: conhecimentos tradicionais e direitos intelectuais. In: Carneiro da Cunha, M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009. |