ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Duplo gesto: o corpo na redistribuição da violência colonial |
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Autor | Leon Orlanno Lôbo Sampaio |
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Resumo Expandido | Jota Mombaça, ensaísta e performer contemporânea, num manifesto intitulado "Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência!" (2017), afirma que "não se trata de encontrar um consenso, ajustar o mundo e conformar a diferença colonial num arranjo pacífico" (MOMBAÇA, 2017, p.15). Para ela, a condição colonial não suporta a conciliação, já que ela é sempre desigual, "se funda na violência do colonizador contra as gentes colonizadas, e se sustenta no estabelecimento e manutenção de uma hierarquia fundamental perante a qual a colonizada pode apenas existir aquém do colonizador" (ibid, p.15). Esse manifesto de Mombaça expressa muito do que temos observado na produção cinematográfica brasileira dos novos sujeitos históricos, principalmente nos curtas-metragens. Os filmes que analisaremos nesta comunicação, realizados por cineastas negras, Kbela (Yasmin Thayná, 2015), Experimentando o vermelho em dilúvio II (Michele Matiuzzi, 2017) e Travessia (Safira Moreira, 2017), partem desse pressuposto de redistribuição desobediente da opressão colonial. São filmes muito diferentes entre si, com procedimentos estéticos distintos (da performance à utilização do material de arquivo, entre outras evidências sensíveis), mas que parecem alinhados por inscreverem o corpo nos processos insurgentes. Nos três filmes vemos corpos de mulheres negras, revelando, num primeiro momento, a dor, a sevícia e a sujeição aos brancos e, num segundo, o processo de expulsão e superação da ferida colonial. Esse duplo gesto - que busca, sobretudo, figurar uma nova representação e existência negra - é o foco da nossa comunicação aqui. A análise que faremos destacará, principalmente, o aspecto dialógico entre as obras. De maneira polifônica, as vozes dos filmes se confrontam e se mesclam num jogo de interação sócio-ideológica - tal como aponta Bakhtin (1981) em seu estudo acerca da obra de Dostoiévski. Para Bezerra, um dos comentadores do teórico russo, "o que caracteriza a polifonia é a posição do autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico" (BEZERRA, 2005, p. 194), mas essas vozes são autônomas e o autor não as orquestra de forma dialética, buscando uma síntese. Ele busca fazer com que as vozes convivam de maneira recíproca e inconclusa na obra, sem renunciar do seu ponto de vista enquanto autor, tampouco se limitando a uma montagem de pontos de vista alheios. Ainda que saibamos que essa noção bakhtiniana de polifonia esteja designada à obra em si, aqui gostaríamos de nos referir a uma polifonia de vozes presente entre as obras analisadas, de vozes pós-coloniais que estão em constante diálogo entre os filmes, se reconfigurando através de outras obras que lhes deram origem, tal qual com obras de outros períodos históricos. A interlocução de Kbela, de Yasmin Thayná, com Alma no Olho (1973), de Zózimo Bulbul, é um exemplo desse dialogismo, uma voz insurgente que se conecta a outra e que reinventa o discurso a partir do gênero feminino. |
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Bibliografia | BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: Brait, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. Rio de Janeiro: Contexto, 2005. |