ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Testemunho, legibilidade e sobrevivência das imagens |
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Autor | Ilana Feldman |
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Resumo Expandido | “Tornei-me escritora para encontrar meios de dar uma sepultura aos meus mortos. Eu tinha de tirá-los da vala comum e a solução que se apresentou para mim foi a de construir uma sepultura com as palavras. Fazer um túmulo de papel e poder assim esperar passar pelo meu luto”, diz a escritora africana Scholastique Mukasonga, sobrevivente do genocídio dos Tutsi em Ruanda, para quem a escrita exerce a função de mortalha, seja para sua própria mãe ou para os outros, desconhecidos. Também o cineasta Rithy Panh, sobrevivente do processo de extermínio da burguesia cambojana liderada pelo Khmer Vermelho, dedicou sua vida a construir uma obra composta por documentos e testemunhos vivos do massacre, definindo seu cinema como “lápide”. Em sua obra, os vestígios do passado impregnam o presente e cada filme decorre de um trabalho reiterado de luto por parte do cineasta e de seus personagens. Fazendo filmes contra o esquecimento, empenhados em restituir um rosto, um nome, uma língua e um país àqueles que foram exterminados, Rithy Panh tem afirmado: “Trinta anos depois, os Khmers Vermelhos continuam vitoriosos: os mortos estão mortos e foram apagados da superfície da terra. Sua lápide, somos nós” (Panh, 2011, p. 205, apud Leandro, 2016). Por meio de uma perspectiva comparatista entre cinema e literatura, a proposta de comunicação “Testemunho, legibilidade e sobrevivência das imagens: a escrita como mortalha, o cinema como lápide” pretende, face à opacidade do testemunho e a formas extremas de violência de Estado, perda e desaparecimento, investigar as formas pelas quais a escrita e o cinema podem produzir condições de legibilidade da história a partir da criação de visibilidades, mesmo quando parece difícil sustentar o olhar. Para tanto, será preciso analisar as invenções formais de certas produções cinematográficas e literárias (documentários, ficções, relatos autobiográficos, ensaios) e as relações críticas que elas vêm estabelecendo com os campos teóricos do testemunho, dos estudos do trauma, das escritas de si e do pensamento a respeito do arquivo. Para tal intento, partiremos da premissa de que uma “política da sobrevivência” não efetiva sem uma “política da resistência” (Didi-Huberman, 2017). Iremos privilegiar obras que, resistindo aos modelos de transparência narrativa, operam como modos de narração que colocam em questão os limites da representação, trabalhando a partir da opacidade dos relatos e tendo como horizonte – ético, estético e político – a produção de uma legibilidade para eventos e experiências históricas que, à primeira vista, parecem ilegíveis ou irrepresentáveis. Tal é o caso do testemunho visual, de vinte e um minutos, de Samuel Fuller no momento da liberação do campo de Falkenau (1945); das nove horas e meia de “Shoah” (1985) e das quatro horas de “O último dos injustos” (2016), de Claude Lanzmann; dos filmes de Rithy Panh, em especial “A imagem que falta” (2013) e “Túmulos sem nome” (2018); dos ensaios “Imagens do mundo e inscrição da guerra” (1988) e “Respite” (2007), de Harun Farocki; de Hiroshima, meu amor (1959), de Alain Resnais, e “Eu quero ver” (2008), de Joana Hadjithomas e Klhalil Joreige; e de “Nostalgia da luz” (2010), de Patricio Guzmán. No contexto de uma virada testemunhal nos estudos da cultura e de uma sociedade, simultaneamente, marcada pela catástrofe e mediada pela imagem, é preciso, portanto, como tarefa política urgente, interrogar o que pode o cinema face à violência de Estado. Por meio de um trabalho de montagem e criação de arquivos que torna visível, faz audível e permite que o efeito de “invisibilidade” e “mutismo” gerado pela violência traumática passe a ser legível, o cinema pode empreender um trabalho de luto que visa à sobrevivência e à transmissão, fazendo da estética do testemunho uma política do testamento. Só assim, quem sabe, poderemos abrir os olhos diante de “histórias impossíveis de contar”. |
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Bibliografia | DIDI-HUBERMAN, Georges. Cascas. Acompanhado de “Alguns pedaços de película, alguns gestos políticos”, entrevista a Ilana Feldman. São Paulo: Ed. 34, 2017. |