ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | A imagem de Cristo no cinema: um caso de idolatria |
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Autor | Pedro de Andrade Lima Faissol |
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Resumo Expandido | Analisaremos comparativamente a representação de Jesus Cristo em duas grandes produções hollywoodianas: “Rei dos Reis” (1927), de Cecil B. DeMille, e “O Rei dos Reis” (1961), de Nicholas Ray. Para tal comparação, adotaremos nas duas paixões de Cristo um ponto de ancoragem em comum: o episódio da cura do cego. A maneira pela qual Jesus Cristo é representado revela a posição dos dois realizadores em relação ao dilema da idolatria: de um lado, uma imagem icônica de Cristo, concebida com o cuidado de não se mostrar por demais sensível ao espectador dos anos 20; de outro lado, já nos anos 60, o rosto de Jesus é filmado em super close-up, operação que parece refletir a imagem de uma sociedade idólatra. Para estabelecermos a relação entre as duas paixões de Cristo, pegaremos de empréstimo algumas ideias da filósofa francesa Marie-José Mondzain. Em sua vasta pesquisa acerca da Doutrina do Ícone, Mondzain identifica as raízes etimológicas do que chamamos hoje de “ícone” e “ídolo”. Na segunda crise do iconoclasmo bizantino, para que os iconófilos saíssem vencedores da extenuante batalha contra os iconoclastas, seria necessário que, após longos anos de proibição e destruição de imagens, Nicéforo formulasse em Constantinopla os Antirréticos (820 d.C.) A pedra fundamental de sua argumentação, segundo Mondzain, baseava-se no conceito de “economia” (oikonomia). Essa palavra de origem grega estabelecia uma clivagem entre a representação e o modelo representado: haveria, a partir de então, um elemento relacional mediando as imagens religiosas das figuras bíblicas que as inspiraram. Os iconófilos, embora partissem da mesma premissa dos iconoclastas (criticando a consubstancialidade entre essência e matéria), acrescentaram esse elemento mediador para responder às inquietações provocadas pela imagem religiosa. A partir de então, a Igreja se via momentaneamente livre do fantasma do paganismo, associado às estátuas dos ídolos gregos, e assim podia voltar a decorar o interior dos templos com imagens religiosas. É através desses conceitos operatórios, sintetizados na oposição eikon/eidolon, que iremos estabelecer a distinção entre a imagem de Cristo nas duas paixões supracitadas. No primeiro filme analisado, “Rei dos Reis” (1927), de DeMille, a operação empregada para encenar o milagre da visão é o plano ponto-de-vista. Pelos olhos do cego recém curado, o espectador vê o lento e gradual “aparecer” de Cristo. Ao final do processo, o seu rosto é revelado (pela primeira vez no filme) com a aparência de um ícone crístico. Supõe-se que tal referência iconográfica, assim como o uso do plano subjetivo, tenha sido uma estratégia arquitetada para representar Jesus Cristo de forma indireta. Cientes da natureza problemática da imagem religiosa, DeMille e sua equipe teriam optado pelo excesso de mediações para evitar os riscos da idolatria. Caso contrário, o filme poderia ser mal recebido pelo público dos anos 20. Já no início dos anos 60, a monumental paixão de Nicholas Ray é concebida pela MGM para encher os olhos de um público que ainda retinha em suas mentes a imagem do Cristo demilliano. O modelo crístico no filme de Ray é muito diferente. Na cena da cura do cego, o rosto de Cristo é filmado para valorizar o conteúdo significante do plano: os olhos azuis de Jesus. Serão eles, investidos de um poder de significação, que irão “operar” esse milagre. A imagem de Cristo adotada por Ray se mostrará coerente com a proposta de fazer de Jesus um “personagem de cinema”. Apoiando-se na imprecisão acerca da aparência do Cristo histórico, Ray segue uma orientação que lhe convém: caracteriza Jesus de acordo com o ideal de beleza vigente. A representação exacerbada de Cristo parece refletir, como um autêntico produto de seu tempo, a imagem de uma sociedade idólatra. Sacrifica-se o sentido transcendente da mensagem cristã para fazer caber o gênero das paixões no regime do espetáculo. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. “O que é um dispositivo?” In: _______. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. |