ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Roy Andersson: imagem-complexa, trivialismo e supermodernidade. |
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Autor | Natália Flávia Maia Lima |
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Resumo Expandido | Com exceção de seu primeiro longa-metragem A Swedish Love Story (1970), toda a produção posterior do cineasta sueco Roy Andersson, entre curtas, longas e comerciais de TV, tem obedecido aos princípios estéticos do que ele define por “imagem-complexa”. Trata-se de um único plano para cada cena, sempre fixo, aberto, em modelo tableau. Andersson explica, em artigo de sua autoria publicado na antologia Swedish Film (LARSSON e MARKLUND, 2010), que sua opção por uma imagem sem cortes é sobretudo um posicionamento moral. Assim como Andre Bazin, ele acredita que o cinema deve respeitar a totalidade do acontecimento, evitando construir discursos a partir da montagem; só assim o espectador é levado a se posicionar diante das imagens. Além disso, Andersson salienta que o plano geral é o mais eficaz em comunicar o estado mental de um personagem, já que o corpo inteiro se expressa melhor do que apenas o rosto. Neste sentido, não utiliza close-ups, mas principalmente por rechaçar o uso de estratégias de sentimentalismo, principalmente ao lidar com temas difíceis como o holocausto nazista. Curiosamente, por outro lado, a dramaturgia proposta por Andersson é justamente a da inexpressividade. Os personagens estão constantemente em um estado de completa letargia, imersos nos próprios pensamentos, incomunicáveis. Se movimentam sorumbaticamente pelo quadro em trajetórias lentas e plasticamente demarcadas. Seus filmes falam da modernidade; dos modos de vida urbanos que se pautam num crescente individualismo e na dificuldade de comunicação forjada por esse voltar-se a si mesmo. Em entrevistas, Andersson demonstra uma preocupação muito grande com o fato de vivermos ainda hoje sob os mesmo códigos sociais que possibilitaram a ascensão do nazismo. Para ele, a mesma modernidade que levou ao holocausto é a que ainda vivemos, em consonância com o pensamento de Bauman em Modernidade e Holocausto (1989). Em Mundo de Glória (1991), assistimos ao cotidiano de um funcionário facínora do governo nazista: ele toma banho, almoça, visita a mãe no hospital... Cenas cotidianas são recorrentes em todos os filmes. Os grandes eventos são entrecortados pela banalidade do dia-a-dia. Andersson se define como um “trivialista”, pelo seu interesse nos eventos menores e apontando para o protagonismo do cotidiano nos agenciamentos dos modos de vida. Outra característica marcante da estética de Andersson está na direção de arte. Em seu estúdio em Estocolmo, ele levanta cenários imensos, de verdadeiras cidades. É constante a presença de fundos pintados e tromp de l’oeil, além da maquiagem e figurinos que fazem cenários e personagens confundirem-se na atmosfera de cores pálidas e sepulcrais. O fotógrafo, István Borbás, com quem Andersson trabalha desde 1989, considera que o trabalho deles se assemelha muito ao gesto de pintar, já que tanto os roteiros de Andersson são esboços em aquarela das esquetes, como a própria mise en scene é pensada em um jogo de composição centrípeta. O resultado final são imagens com um quê de hibridismo, entre cinema, fotografia, pintura e gravura, o que vem sem dúvidas a acentuar o distanciamento brechtiano almejado por Andersson. O modelo tableau realça também o estilo cômico das esquetes a partir da noção de comic framing. |
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Bibliografia | AUGÉ, Marc. Não-lugares: uma introdução à supermodernidade. Londres: Verso. 1995. |