ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Ouvir o(a) autor(a): a entrevista ao vivo na Teoria dos Cineastas |
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Autor | Marcelo Carvalho da Silva |
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Resumo Expandido | A prática da entrevista ao vivo apresenta-se como uma importante ferramenta para a Teoria dos Cineastas. Ela coloca o(a) pesquisador(a) em contato direto com o discurso do(a) autor(a), o que não deixa de constituir-se como uma vantagem, considerando-se que a fala do(a) autor(a) sobre sua obra e sobre os processos mentais que a teriam presidido é geralmente tomada como um discurso abalizado e imbuído de autenticidade. Esse pressuposto geral e idealizado, no entanto, apresenta nuances que põem a entrevista como uma ferramenta delicada para a Teoria dos Cineastas. Partamos de uma hipótese, a de que haveria a possibilidade de se constituir argumentativamente, a partir da entrevista ao vivo, algo sobre os caminhos da criação, sem substituí-la ou reduzi-la à racionalidade lógica. O objetivo seria o de alcançar um sentido coerente por intermédio do discurso proferido a posteriori da criação, mesmo que o autor seja avesso à racionalização ou a teorizações sobre o seu próprio trabalho. Em um primeiro momento, deparamo-nos com a necessidade de distinção entre dois domínios intercomunicantes, dois processos de subjetivação (FOUCAULT, 1982) atualizados nas funções primordiais do entrevistador(a) e do entrevistado(a). Em uma entrevista ao vivo, uma pergunta suscita uma réplica; não qualquer réplica mas apenas aquelas que virtualmente (DELEUZE, 1996) comporiam com a pergunta feita. A réplica, por sua vez, induz torções na próxima pergunta etc. Ou seja, há toda uma série de passagens, trocas e atravessamentos entre entrevistador(a) e entrevistado(a) que sugere a construção de processos de subjetivação em comum. Um segundo dado em jogo na entrevista ao vivo encontra-se na dimensão do inesperado e do improviso. Evidentemente que o entrevistado(a) pode sempre preparar-se de antemão, mas mesmo nas entrevistas nas quais ele(a) conhece todos os temas que serão tratados, entrará em cena a questão da atuação, da performance do desafiado. Por seu turno, o entrevistador também precisará atuar em resposta às reações do entrevistado(a), em uma performance do desafiador. Mas as performances do entrevistado e do entrevistador não esgotam a questão do imponderável. No âmbito da Teoria dos Cineastas, o foco da entrevista se daria primordialmente na concepção que teria presidido a obra, onde o inescrutável encontra-se já firmemente ancorado. O processo criativo artístico, mais do que qualquer outro processo criativo, comumente se concretiza a partir de um amálgama entre a intencionalidade de um pensamento racionalizável e o insondável da intuição que se implicam na criação. “Não é um tratado, é um filme”, diria o cineasta, até mesmo o autor de um filme ensaístico. Como, então, durante a entrevista ao vivo, instar o(a) cineasta a recompor como discurso o amálgama pensamento racionalizável/intuição que subjaz à obra? Ao inescrutável da criação passada, do filme realizado -- a dimensão intuitiva --, soma-se à própria inacessibilidade do passado tal como ele é. A lembrança psicológica recria a imensa dimensão do passado em um rearranjo compreensível no presente (BERGSON, 1990). Mesmo momentos passados passíveis de serem recuperados por um discurso racionalizável são alvo das mais variadas reconstruções: camadas de enganos não intencionais; de delírio presente sobre o passado; toda sorte de desvios, transversalidades e fugas; ou mesmo de deliberada vontade de ludibriar o(a) entrevistador(a). A entrevista, assim, torna-se um esforço de composição retroativa, uma oportunidade para o(a) cineasta pôr em prática expedientes heterogêneos que procuram dar sentido e coerência à prática artística e à obra já realizadas. Este discurso proferido no momento da entrevista, com todas as vacilações de um ato de fala, criado em memória tanto das motivações apriorísticas do filme quanto do que foi efetivado na filmagem e na montagem, é o que precisa ser estimulado (e, em certo sentido, demonstrado) pelo(a) entrevistador(a). |
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Bibliografia | BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990. |