ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | A feminização do masculino hétero em eXistenZ, de Cronenberg |
|
Autor | Fernando Mascarello |
|
Resumo Expandido | As abordagens da crítica feminista à obra de David Cronenberg estão longe de serem consensuais quanto à valência político-ideológica das suas representações da chamada masculinidade contemporânea em crise. Por um lado, algumas autoras e autores a consideram cúmplice de uma posição misógina típica da masculinidade dominante, em sua exploração e desqualificação das mulheres (Jacobowitz e Lippe, 1989), ao passo que outros a tomam, positivamente, como uma desconstrução do sujeito masculino (ainda que talvez inconsciente em grande medida), mobilizando, em suas análises, conceitos como “inveja do útero” (Robbins, 1993) ou “pânico fálico” e “histeria masculina” (Creed, 1990). Entre outros resultados, esse debate feminista em torno à cinematografia de Cronenberg tem sido bastante produtivo por sua contribuição ao campo dos estudos dos homens e das masculinidades. Para Linda Ruth Williams, por exemplo, a despeito do fato de algumas comentadoras feministas, como Barbara Creed, terem enfatizado o feminino monstruoso em seus filmes, sobressai em sua obra um forte interesse pela “masculinidade em mutação” (Williams, 1999, p. 35). A meu ver, tal mutação pode ser associada ao que Christine Ramsay (1998) descreve como uma profunda ambivalência de muitos dos personagens masculinos de Cronenberg entre o desejo de se ligarem e entregarem a outros e a violenta e quase imediata negação deste, resultando no colapso do que a autora denomina “masculino monstruoso” e a incursão desses personagens pelo abjeto e pela destruição de si e da alteridade com que se relacionam. Partindo desse quatro teórico nos estudos (feministas) do cinema, meu objetivo nesse trabalho é investigar, desde uma visada psicanalítica antifalocêntrica e tomando como objeto primário de análise o filme eXistenZ (1999), em que medida uma das dimensões dessa masculinidade em mutação, encenada na obra cronenberguiana, seria constituída por um processo de feminização do masculino heterossexual na contemporaneidade, ao qual corresponderia, em contrapartida, uma reação viril defensiva, violenta e monstruosa. A fim de proceder à investigação, mobilizo autores psicanalíticos vinculados à crítica, interna ao freudo-lacanismo, das visões falocêntricas majoritárias na psicanálise, fazendo-os dialogar com a crítica feminista acima mencionada. Busco subsídio, especialmente, em teóricos como Jacques André, Monique Schneider e Gabriel Birman, entre outros que, na contramão das concepções freudianas da subjetivação masculina e feminina, entendem o tornar-se homem como um processo desdobrado em um maior número de etapas que o tornar-se mulher, em razão da necessidade de permanente negação, pelos sujeitos masculinos, da feminilidade primária constitutiva de homens e mulheres. Como objeto de análise principal, eXistenZ é tomado como filme-clímax desse tema recorrente da feminização do masculino na obra de Cronenberg. Conduzido pelo desejo de uma mulher talentosa, bem-sucedida e sexualmente agressiva, o protagonista Ted Pikul é levado a experimentar-se em uma sexualidade transgressiva do erotismo heteronormativo, vinculada ao universo biotecnológico e da realidade virtual, na qual ele exercita, com fascínio e repulsa, aspectos do erotismo histórica e culturalmente mais associados à feminilidade, como os prazeres da pele, a penetrabilidade, a entrega e a passividade. |
|
Bibliografia | ANDRÉ, Jacques. As origens femininas da sexualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996 (1995). |