ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Hiato fílmico e liberação narrativa em Lições de História |
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Autor | Dalila Camargo Martins |
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Resumo Expandido | O filme Lições de História (1972), de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, é uma adaptação do romance inacabado Os Negócios do Senhor Júlio César, redigido por Bertolt Brecht entre 1937 e 1939, durante o exílio na Dinamarca, e publicado postumamente. O experimento histórico-satírico do dramaturgo consiste na narrativa da investigação frustrada de um jovem biógrafo acerca do verdadeiro Júlio César, “um modelo incomparável para todos os ditadores futuros” — é da ascensão de Adolf Hitler de que se trata, afinal. Constitui-se por quatro excertos - I. A Carreira de um Rapaz Notável, II. O Nosso Chefe C., III. Administração Clássica de uma Província e IV. O Monstro de Três Cabeças. Os volumes de número ímpar funcionam como a cornija da trama, descrevendo os encontros do biógrafo com o banqueiro Mummlius Spicer para barganhar os diários de Raro, secretário de César, além da intervenção do jurista Afrânio Carbo, da entrevista com um camponês ex-legionário e das asserções do poeta Vástio Alder. Já os de número par apresentam as notas do diário adquirido, uma miscelânea das opiniões de Raro acerca da miséria de Roma, dos problemas financeiros do cotidiano de César e também de seus próprios assuntos amorosos relacionados ao desemprego sistêmico devido à implementação de mão-de-obra escrava altamente habilidosa. À primeira vista, poder-se-ia constatar um curso teleológico rumo à conscientização histórica, pautado em três estágios: primeiro, a suposição de que a história resulta das ações de indivíduos, o que validaria uma abordagem biográfica; segundo, a refutação desta suposição pelo confronto com fatos que contradizem a univocidade do herói; terceiro, a concepção materialista que ordenaria tais contradições de modo a revelar que a história se determina economicamente. Entretanto, o protagonista-narrador não completa o périplo, destila ceticismo com desgosto e permanece absorto em pensamentos, sem se aproveitar da plurivocidade para expandir seu horizonte, chegando mesmo à desaparição quando da anexação dos diários de Raro, sem tecer nenhum comentário a respeito das informações ali contidas. Assim, nada sobra do regime de identificação, pois o leitor não tem alguém a quem seguir em direção a uma conclusão; não há síntese, mas esfacelamento trépido. Em Lições de História, Huillet-Straub focam, justamente, na experiência de silenciamento paulatino do protagonista-narrador e, em consequência, no efeito que ela surte no espectador. Contudo, substituem o recurso literário da colagem textual, eliminando os volumes de número par do original, por duas estratégias eminentemente cinematográficas, a saber: o posicionamento extemporâneo do protagonista-narrador e a autonomização da decupagem. O jovem biógrafo (Benedikt Zulauf), vestido como no início dos anos 1970, período no qual se produziu o filme, vai ter com os quatro contemporâneos de César, todos em trajes da Antiguidade. Essas reuniões são separadas por três longos planos-sequência dele dirigindo pelas ruas de Trastevere, com a câmera instalada no banco de trás de um pequeno carro, acima da linha de sua cintura, que totalizam “trezentos e dez metros de 16 mm, logo, 25 minutos.” Tais planos de passeio (Spaziergänge) enfatizam a passividade de seu protagonismo, pois neles sua presença mais parece uma duplicação da postura do espectador na sala de cinema, observando uma vista com atenção-distração. Quanto à decupagem, utiliza-se por duas vezes o zoom expressivamente, no sentido forte do termo, como que liberando o protagonista da narração. Em nossa comunicação, procuraremos mostrar como, em Lições de História, o ponto de vista fílmico coincide com um hiato e como isto é politicamente potente, pois desafia os limites da representação e, portanto, da história enquanto narrativa oficial, totalitária. |
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Bibliografia | BRECHT, Bertolt. Os negócios do senhor Júlio César. São Paulo: Hemus, 1970 |