ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Memória e ficção na literatura e cinema espanhóis do século XXI |
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Autor | Flavio Pereira |
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Resumo Expandido | No século XXI, ganha força na Espanha a representação, na literatura e no cinema, de dinâmicas de resgate da memória coletiva da guerra civil e da ditadura franquista. Após três anos de intensa guerra civil (1936-39) e quase quarenta anos de ditadura (1939-1975), o país se redemocratizou e assumiu um tácito pacto de silenciamento sobre a violência do passado recente perpetrada sobretudo pelas forças do Estado e seus apoiadores. Desde o final do século XX, ganha força no campo literário a recuperação da memória coletiva da guerra civil e do franquismo, ao mesmo tempo em que continuam a chegar ao cinema filmes que também estão construídos em torno a uma poética de recuperação da memória do passado recente. As narrativas contemporâneas operam este resgate tenso, num país onde ainda há forças sociais em embate em torno à necessidade de fazer isso e das formas como se leva a cabo tal tarefa. O partido político herdeiro do conservadorismo franquista, o Partido Popular, não apoia as iniciativas de recuperação da memória do passado recente sob a acusação de que elas impedem "fechar as feridas" e conduzem à permanente "crispação" social, enquanto forças de esquerda acusam a sociedade espanhola de não ter feito o esforço necessário para, pelo menos simbolicamente, enterrar os seus mortos, enquanto a ditadura franquista fez isso com os restos mortais de seus apoiadores com toda a pompa e circunstância. Assim, obras de enorme sucesso como Soldados de Salamina (2001), romance de Javier Cercas traduzido a várias línguas, popularizaram esta poética e ao mesmo tempo permitem problematizá-la, devido às tensões que atravessam o reconhecimento de vencedores e vencidos que a obra opera. Sintomaticamente, o mesmo romance foi transposto para o cinema em 2003, em roteiro escrito e dirigido por David Trueba. Em 2011, chegou ao público o filme La voz dormida, de Benito Zambrano, baseado na obra literária homônima de Dulce Chacón, que também contou com sucesso popular e continua sendo editada na Espanha. Assim, verificamos que continua a obter alcance popular obras que plasmam esta poética de busca e reconhecimento de memórias sobretudo dos vencidos pela guerra civil, que durante a ditadura franquista foram extirpadas da memória coletiva do povo espanhol. Pretendemos com este trabalho fazer um rastreamento destas obras, ainda que não exaustivo, com o objetivo de verificar que estruturas subjazem a elas e como se colocam diante do público. Utilizaremos para tanto o arcabouço teórico sistematizado por Northrop Frye em Anatomia da crítica (1973) no ensaio "Crítica dos modos", para observar se as obras dialogam com o passado numa chave nostálgica e romanesca ou de forma mais problemática, complexa e irônica, assumindo as dificuldades inerentes ao processo de recuperação da memória do passado recente e até mesmo a impossibilidade de efetuar, metaforicamente, o preenchimento do vazio que foi deixado pelo extermínio de milhares de cidadãos. Estes foram perseguidos seja porque tomaram partido a favor da II República durante a guerra civil e por isso foram alvo preferencial da ditadura franquista, seja porque não tomaram nenhum partido, mas estavam em regiões da Espanha onde a II República manteve seu domínio até a derrota ou estavam em regiões da Espanha claramente de maioria franquista e de alguma forma foram alcançados pela violência franquista durante e após o conflito. Desta forma, pretendemos verificar de que formas a literatura e o cinema dão forma a este embate social em torno ao que resta do passado recente da Espanha, levando em conta as reflexões de Paul Ricoeur sobre os transtornos sociais da memória e do esquecimento em La memoria, la historia, el olvido (2007) e o complexo trânsito social da memória coletiva. Por fim, apoiamo-nos nas reflexões de Walter Benjamin sobre a precariedade da memória em tempos de barbárie, posto que as narrativas operam como o Anjo da História benjaminiano, que se ergue sobre uma montanha de escombros para testemunhar. |
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Bibliografia | AGUILAR FERNÁNDEZ, Paloma (1995). Memoria y olvido de la guerra civil española. Madrid: Alianza. |