ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | Como Enganar um Míssil Teleguiado – Pedagogia Farockiana |
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Autor | LUÍS FELIPE DUARTE FLORES |
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Resumo Expandido | Desde os seus primeiros filmes, realizados na década de 1960, a obra de Farocki apresenta uma forte dimensão pedagógica voltada, grosso modo, para a compreensão dos artefatos técnicos que compõem o mundo humano. Concentrando-se nas chamadas imagens técnicas, retiradas de contextos como a publicidade, a prisão, o exército e a fábrica, o cineasta busca decompor seus modos de funcionamento usuais, a fim de instaurar pontos de fissura nos esquemas pré-fixados pela lógica visual do poder. À semelhança do que ocorre no método dialético de Brecht, influência central no trabalho de Farocki, o cinema é convocado a re-montar as relações entre gestos, imagens e ideias, a fim de “transformar e multiplicar seus próprios meios para aprender algo sobre o mundo e agir sobre ele.” (DIDI-HUBERMAN, 2009, p. 191) Essa tarefa crítica, como sabemos, foi apropriada de diferentes maneiras pelos cineastas modernos, em geral frequentadores assíduos do pensamento brechtiano. É o caso de Straub-Huillet e Jean-Luc Godard, também referências cruciais para a formação de Farocki. Embora com métodos distintos, eles fazem uso dos efeitos de distanciamento e da montagem fragmentária para confrontar os pressupostos do cinema comercial, abrindo novos horizontes de fabricação imagética e representação. Enquanto Straub-Huillet exercem um controle exaustivo do gesto e da duração, organizando imagens não naturalistas, Godard faz proliferar as citações do texto e da imagem, produzindo cruzamentos discursivos a partir de uma vasta heterogeneidade de materiais e formas. Farocki preserva algo das lições – e questões – de seus mestres, reformulando-as de maneira singular. Interessado, sobretudo, pelos mundos tecnológicos, dos objetos bélicos, simuladores, propagandas, modeladores gráficos, robôs, e pelas visualidades ocultas do poder, dos algoritmos, das máquinas, das câmeras de vigilância, dos mísseis teleguiados, ele reposiciona imagens variadas na tábua da montagem, a fim de revelar vínculos insuspeitados, sentidos renovados, além de restituí-las ao âmbito público. “Ensinar a ver abismos onde há lugares comuns”, essa será a tarefa pedagógica por excelência, para remeter à formulação de Karl Kraus (1932). Se, na esteira de Daney (2007), a pedagogia godardiana é entendida como confrontação dos enunciados e restituição das imagens, e a huillet-straubiana como não-reconciliação e disjunção, podemos pensar que uma pedagogia farockiana opera pela via da iluminação profana e da arqueologia visual. Entenderemos iluminação profana como algo próximo da profanação conceituada por Agamben (2007), isto é, o gesto de “arrancar dos dispositivos as possibilidades de uso que os mesmos capturaram”, conferindo às coisas novos modos de usar – e, no caso, de olhar. O gesto da arqueologia visual, por sua vez, busca compreender a posição das imagens em meio a uma história mais ampla da técnica nas sociedades de controle. Uma pedagogia assim constituída acarreta, a nosso ver, uma reflexão sobre as próprias imagens, bem como sobre os nossos modos de ver, de olhar para as coisas. Farocki refletiu incessantemente sobre essas questões, elaborando uma pedagogia rigorosa, capaz de oferecer lições importantes sobre a imagem técnica em uma sociedade pautada pela mediação das máquinas. Essas lições, vale dizer, não derivam sempre dos mesmos métodos, mas delineiam, por assim dizer, diferentes programas educacionais. Extraídas dos seus lugares comuns, dos fluxos institucionais ou hegemônicos dos quais fazem parte, as imagens convocadas pelo diretor podem circular em outras zonas de distribuição sensível, abertas a construções imprevistas de sentido. Nesta comunicação pretendemos esboçar, a partir da análise de filmes específicos, os fundamentos de uma pedagogia farockiana das imagens. Acreditamos que, para além da ampliação do repertório, esses elementos podem servir de base para pensar as possibilidades de intervenção do cinema em prol de uma educação e de uma politização do olhar. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. |