ISBN: 978-65-86495-01-0
Título | A capoeira-dança nos desenhos de Carybé e no filme Vadiação |
|
Autor | Cyntia Araújo Nogueira |
|
Resumo Expandido | A obra do artista plástico Carybé envolveu desenhos, pinturas, ilustrações e esculturas, privilegiando, de modo geral, o “modelo seguido pelos principais artistas modernos da Bahia, ou seja, a representação figurativa/narrativa de elementos culturais regionais” (MACIEL, 2016), ancorado nos discursos da baianidade, da metiçagem e da democracia racial. Muitas de suas obras sobre o candomblé e a capoeira, entretanto, vêm sendo analisadas sob uma perspectiva etnográfica. Para Castro Júnior (2012), seus desenhos da capoeira captam “a gestualidade do corpo, bem como a metamorfose que o mesmo sofre na ação contínua do jogo/dança/luta”, ou ainda, “as memórias gestuais do corpo-capoeira que revelam um saber corporal ‘arquivado no corpo’”. Com efeito, se ausência de referência espacial nos desenhos de Carybé muitas vezes reduz suas figuras a estereótipos, no que se refere à capoeira, o espaço abstrato acentua o sentido do movimento e da transformação dos corpos. A partir de Nelson Brissac Peixoto, que define as passagens como formas de introduzir espaços e tempos diferentes, o autor vê seus desenhos como “paisagens–passagem”, que intensificam, no presente, traços do passado. Considerando que esses “corpos-capoeiras” compartilham com o cinema e a dança o sentido da cinestesia, a pergunta que guia a análise é: quais ficções perceptivas (SUQUET, 2011) são construídas a partir do diálogo entre a série Jogo da Capoeira (1951), base do storyboard do filme, e o documentário Vadiação (1954), de Alexandre Robatto, cuja câmera segue os movimentos e gestos de grandes mestres de capoeira que frequentaram o Barracão de Mestre Waldemar da Liberdade, como Bugalho, Curió Velho, Caiçara, Traíra e Nagé, além do próprio Waldemar da Paixão. Com trilha sonora gravada previamente com Mestre Bimba e seus tocadores, como Crispim e Rosendo, que também participam do filme, Robatto realiza um documentário musical que se nutre da imagem pictórica e constrói-se a partir de um roteiro de atitudes e gestos atualizados pela câmera, a serviço de corpos e sujeitos históricos afrodescendentes em jogo, luta, dança. Ao focar os trânsitos entre o universo as artes visuais, da dança, do cinema e da capoeira a partir do sentido da cinestesia, ou seja, do sentido do movimento, que associa o táctil à visão, buscamos apontar não apenas a natureza complexa das interações e relações, frequentemente desiguais, entre a agência afrodescendente e a apropriação modernista da cultura negra, mas também as possibilidades apontadas pelo filme na direção de um cinema experimental, concebido, conforme Deleuze (2011), como um cinema dos corpos, a partir do qual, aponta, é possível chegar à vida. Incluído no catálogo 10 anos de Filme de Arte, editado pela Filmoteca do MAM-SP durante a Bienal de 1955, Vadiação parte da imagem pictórica para explorar a performatividade dos corpos. Introduz, com isso, uma diferença, um intervalo, capaz de produzir uma interface com o mundo dos trabalhadores do cais do porto, carregadores e armazenadores, profissões de capoeiristas como Nagé, principal jogador do filme, assassinado quatro anos após a sua realização. Assim, se a encenação da capoeira em um teatro, como arte e espetáculo, pode ser interpretada como uma forma de “dignificá-la” socialmente, afastando sua carga de ameaça e periculosidade ligada à cultura das ruas, sua força política parece persistir pelos efeitos de transversalidade entre sua prática social e cultural, seu caráter de luta e dança; a memória inscrita e atualizada nos corpos dos capoeiristas e a dimensão ritualística do jogo. O filme parece resistir, ainda, à sua apropriação pelo discurso da baianidade e da mestiçagem, uma marca da geração a qual pertenceu Robatto, amigo pessoal de Mário Cravo e Jorge Amado, e do próprio Carybé, possivelmente o responsável pela perspectiva subjetivada da câmera, a partir de sua experiência com a capoeira e com o cinema. |
|
Bibliografia | ABREU, Frederico José. Nagé: O homem que Lutou Capoeira até morrer. Salvador: Barabô, 2017. |