ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Cultura dos dados e estética do fragmento em narrativas interativas |
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Autor | DANIELA ZANETTI |
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Resumo Expandido | Temos vivenciado na cultura audiovisual contemporânea uma individualização do espetáculo coletivo por meio das interfaces pessoais, que seriam a "essência do novo entretenimento baseado na transmissão virtual e numa pequena unidade que concentra diversos dispositivos: computador, GPS, telefone, fotografia, vídeo e tela" (LA FERLA, 2009, p. 172). O processamento, a transmissão, o consumo de dados e a mobilidade já são inerentes aos novos modos de consumo audiovisual. Manovich (2015) considera o banco de dados uma categoria fundamental para a compreensão das novas mídias e reflete sobre narrativas audiovisuais a partir desse conceito. Num contexto marcado pela digitalização da cultura, pela ubiquidade das redes e pela estética do banco de dados (BEIGHELMAN, 2019), o cinema interativo (PARENTE, 2009) assume novas formas e ressignifica a relação entre obra e usuário/interator, também complexificando a ideia de representação. O paper proposto apresenta uma análise inicial de duas obras audiovisuais interativas lançadas em 2020 e feitas exclusivamente para smartphones, ambas produzidas junto à National Film Board of Canada: Far Awar From Far Away (25 min), de Bruce Alcock e Jeremy Mendes; e Motto (6 x 15 min), de Vincent Morisset, Sean Michaels, Édouard Lanctôt-Benoit e Caroline Robert. A primeira é um documentário que combina o formato podcast e recursos interativos para contar sobre as transformações ocorridas na comunidade tradicional de Fogo Island, uma vila na Ilha do Fogo, na província canadense de Terra Nova e Labrador, com base na história de uma habitante que retorna à ilha. A segunda constrói uma narrativa que se estabelece a partir de um conjunto de micro vídeos produzidos pelos usuários durante o processo de interação com a obra, no encadeamento das imagens com textos pré-elaborados. Far Awar From Far Away nos fixa em um único lugar e cria uma espécie de labirinto construído com fragmentos de memórias para nos guiar de volta ao passado e rumo ao futuro. Motto traz uma narrativa construída no tempo presente a partir de imagens aleatórias produzidas por desconhecidos e sem nenhuma referência de lugar, gerando uma narrativa desterritorializada, ainda que composta por multiterritorialidades. A primeira obra nos traz uma experiência mais contemplativa, com uma voz over que nos conduz por um território ao mesmo tempo isolado e familiar; a segunda tem ritmo mais acelerado, sendo pontuada por textos escritos dirigidos ao interator, e que nos põe em ação de forma permanente até o fim da experiência narrativa. Enquanto Far Awar From Far Away se ancora na história de vida de uma personagem com certa notoriedade (Zita Cobb, nativa da ilha), Motto nos apresenta a inúmeros desconhecidos cujas faces são ocultadas por tarjas. As análises buscam compreender os modos de acionamento do tempo e do espaço na construção destas narrativas, considerando que as estratégias de interatividade e de engajamento somente são possíveis a partir dos fragmentos de memórias, relatos e imagens. Como tais elementos operam para constituir uma representação documental, se de fato podem ser assim categorizadas? Para tanto, o estudo identifica as especificidades de cada uma das obras com relação aos modos de representação da realidade (NICHOLS, 2005) e de articulação entre todo e parte, ancorando-se no conceito de fragmento proposto por Omar Calabrese (1988), em articulação com a ideia de banco de dados. Para este autor, a estética do fragmento como fonte está vinculada tanto aos meios de comunicação como às obras de arte e pressupõe uma recepção também baseada no fragmento. Como material criativo, corresponde a uma exigência formal – ao “exprimir o caos, a causalidade, o ritmo, o intervalo da escrita” – e de conteúdo – ao “evitar a ordem das conexões, afastar para longe o ‘monstro da totalidade’” (CALABRESE, 1988, p. 101). Defende-se aqui que a estética do fragmento ganha novos contornos face à dinâmica do banco de dados e da cultura dos algoritmos. |
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Bibliografia | BEIGUELMAN, Giselle. Cultura visual na era do big data. In: BAMBOZZI, Lucas.; PORTUGAL, Demétrio. (orgs.). O cinema e seus outros. São Paulo: AVXLab, 2019. |