ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Culinária e gastronomia, afeto e distinção: discursos negociados na TV |
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Autor | Nara Lya Cabral Scabin |
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Resumo Expandido | Como nos ensina a história da alimentação, comida é expressão cultural materializada em modos de produção de matérias-primas, técnicas de preparo e rituais de consumo (MONTANARI, 2008). Na contemporaneidade, um novo ingrediente merece atenção: a complexificação das convocações ao consumo da comida via mediações na cultura audiovisual. Em um contexto de valorização do “consumo da experiência” (FONTENELLE, 2017), narrativas de preparo, apresentação e degustação de alimentos carregariam em si o potencial de oferecer ao público uma espécie de experiência de “prazer por procuração” (OLIVEIRA, 2016, p. 141). Nesse contexto, a profusão e a diversidade de gêneros e formatos audiovisuais culinários evidenciam o alargamento da visibilidade conferida à comida e ao comer em uma cultura midiática constituída por mediações multidirecionais e multifacetadas. Deslocam-se, nesse processo, regimes representacionais historicamente construídos nos meios de comunicação acerca de práticas sociais articuladas em torno da comida, do comer e do cozinhar, os quais se estruturavam, até final do século XX, quase exclusivamente por meio de conteúdos instrucionais voltados a um público feminino formado por donas de casa. Considerando tal cenário, o presente trabalho nasce da percepção de que, em espaços midiáticos contemporâneos e, em especial, na cultura audiovisual, (re)constroem-se e (re)negociam-se sentidos relacionados à produção e consumo alimentares, à constituição e valor (estético, dietético) dos pratos, a dimensões sociais e identitárias da comida e do comer. Nosso foco de atenção recai sobre a TV, espaço privilegiado de realização das rearticulações discursivas em foco. Assim, considerando programas integrantes da grade de 2020 do canal por assinatura GNT, propomos investigar as negociações estabelecidas entre representação de uma cozinha como gastronomia e de uma cozinha como culinária, entendendo que gastronomia e culinária constituem duas “linguagens” distintas e, ao mesmo tempo, interconectadas, por meio das quais a alimentação se comunica (JACOB, 2013). Dessa forma, se a expansão da programação televisiva sobre comida nos últimos anos é acompanhada pela hegemonia de uma cozinha gastronomizada, este trabalho elege como foco de atenção duas produções que representam diferentes nuances – e, em distintas medidas, tensionamentos – em relação à tendência à gastronomização da TV: Que Marravilha!, programa estrelado pelo chef Claude Troisgros, e Tempero de Família, apresentado por Rodrigo Hilbert. Nos dois casos, examinaremos articulações discursivas determinantes às representações da cozinha em episódios integrantes das três temporadas mais recentes (exibidas em 2018, 2019 e 2020). Ao longo do trabalho, observamos que, em Que Marravilha!, são mobilizados sentidos de ruptura em relação a práticas cotidianas, não-especializadas e “triviais” da cozinha, em diálogo com fronteiras simbólicas relacionadas à própria conformação do campo gastronômico. Já em Tempero de Família, um sentido afetivo do aprendizado da cozinha no âmbito familiar desdobra-se em diversas camadas narrativas e discursivas que constituem os episódios, da escolha de convidados às histórias contadas durante o preparo das receitas. Não obstante o evidente contraste que as produções imprimem à grade do GNT, um olhar mais atento revela aproximações em termos de estratégias discursivas presentes nos dois programas: em especial, destacaremos a articulação de sentidos de afetividade/pertencimento e a recorrência a recursos do discurso humorístico como elementos mediadores das representações de uma cozinha como gastronomia em Que Marravilha!. Nesse percurso, veremos que os programas analisados apresentam pontos de contato no que diz respeito ao engendramento de formas de convocação ao consumo (PRADO, 2013) do universo da cozinha. |
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Bibliografia | FONTENELLE, Isleide Arruda. Cultura do consumo: fundamentos e formas contemporâneas. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2017. |