ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A montagem guiada pelo acaso: dois vídeos de Brígida Baltar |
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Autor | Fernanda Bastos Braga Marques |
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Resumo Expandido | Durante o trabalho de recuperação, montagem e organização da videografia da artista Brígida Baltar, nos deparamos com dois casos em que o suporte do material gravado e arquivado se deteriorou ao longo dos anos, afetando drasticamente a imagem. Apesar disso, as duas videoartes foram realizadas: A geometria das rosas (2002/2019) e O refúgio de Giorgio (2002/2019). Sua forma se molda ao defeito, ao erro, se abre ao acaso. Primeiro assistimos as gravações feitas com mini-DV no bosque onde Giorgio Ronna(1) gostava de passear, nas proximidades de sua casa em Zurique. As câmeras DV e mini-DV ofereciam a possibilidade de manipulação da velocidade do obturador(2), como nas câmeras de cinema, e a redução dessa velocidade resulta na repetição de quadros, compensando a diferença entre as velocidades de captação e de reprodução. Com isso, os movimentos são registrados como rastros descontínuos, interrompidos pela falta das imagens intermediárias. A utilização do recurso produz imagens abstratas que, às vezes, remetem à visualidade da pintura impressionista e foram bastante exploradas pela videoarte no início dos anos 2000. Por isso mesmo, nesse vídeo, editado em 2019, eliminamos todos os trechos em que a imagem perde o caráter figurativo. Mas foi graças a essa imagem baseada em elipses temporais, que pudemos editar o filme cuja fita original apresentava muitos drop outs(3). Todos os defeitos foram suprimidos sem alterar a dinâmica da imagem, com o corte executado na quebra do movimento desaparece na descontinuidade da gravação. Já o caso de A geometria das rosas era mais grave, pois a gravação flui em velocidade normal. A câmera passeia em movimentos livres bem perto das flores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mas os defeitos eram tantos que começamos a passar a imagem quadro a quadro em busca de um trecho aproveitável. Foi então que pudemos admirar a beleza das flores “pixeladas” de variadas formas geradas ao acaso, e decidimos fazer o filme destacando a poesia da deterioração e do acaso. Os drop outs da DV aparecem na imagem com quadradinhos coloridos, que criam recortes e bordas nos elementos da imagem. Como esses elementos são justamente flores coloridas sob uma luz solar bem tropical, o defeito acrescenta cor ao quadro, tornando-o mais vivo. Para chegar ao resultado desejado, selecionamos apenas as rosas dentre todas as flores registradas, eliminamos também todas as imagens de cimento ou canteiro, e reduzimos a velocidade dos quadros com defeito para que eles ficassem visíveis por mais tempo. Chegamos a tirar todas as imagens “boas” que se intercalam às protagonistas quadriculadas, mas voltamos atrás porque elas funcionam como fluxo de ligação, como distância necessária para a observação do que é mais importante. O título refere-se ao aspecto dos defeitos que quebram as linhas orgânicas das flores. Além disso, algumas rosas já estão um pouco despetaladas, deterioradas como o suporte. O vídeo preserva a beleza das rosas e o trabalho preserva a visualidade dos defeitos típicos da fita de vídeo digital, mais especificamente da mini-dv, que desaparece junto com o suporte atualmente obsoleto. Uma imagem que não acontece mais, porque cada suporte tem seus defeitos característicos, e pouco vista, por ser normalmente eliminada na seleção do material. Assim, a obra nos apresenta o fim de dois ciclos das rosas encerrando a primavera e de uma possibilidade visual daquela tecnologia. Raras são as oportunidades de montar um vídeo só com imagens “estragadas”, a poética de Baltar sempre aberta ao acaso nos proporciona o exercício do deslumbramento. Com isso reafirmamos a liberdade estética que a videoarte oferece à edição para experimentação visual, narrativa, rítmica e sensorial. 1 -Giorgio Ronna é amigo da artista, parceiro em outros vídeos, interlocutor constante, e escreveu o catálogo da exposição Brígida Baltar: filmes, realizada em 2019. 2 - Mecanismo que regula a entrada de luz. 3 - Defeitos na leitura eletrônica da imagem. |
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Bibliografia | AUGUSTO, Maria de Fátima. A montagem cinematográfica e a lógica das imagens, São Paulo: Annablume, Belo Horizonte: FUMEC, 2004. |