ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | (Des)identificação e diferença em Martírio (Vincent Carelli, 2016) |
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Autor | Carlos Eduardo da Silva Ribeiro |
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Resumo Expandido | O trabalho tece reflexões acerca de processos de identificação, desidentificação diferenciação no interior do longa-metragem documentário Martírio (Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita, 2016), que, por sua vez, que aborda o conflito entre ruralistas e Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Analisamos uma cena específica, construída a partir de materiais de arquivo da TV Senado, onde vê-se uma discussão na Câmara dos Deputados acerca da PEC 215, em um debate no qual estão presentes indígenas e políticos do lobby ruralista. Enquanto os indígenas chamam provocativamente os ruralistas de "falsos brasileiros", os ruralistas respondem acusando-os de "falsos índios". Buscamos subsídios teóricos em autores dos Estudos Pós-Coloniais como Eduardo Restrepo, Stuart Hall, Avtar Brah e Jacques Derrida, visando uma negociação ou ponto de encontro entre essas abordagens e a abordagem de Jacques Rancière sobre política e identidade. Estudamos como as identidades "indígena"e "brasileira" são construídas e repudiadas nessa cena; e como esse processo de identificação extrapola o recorte nas imagens, evocando processos políticos que se estendem desde antes do filme até depois dele. Martírio é um documentário de duas horas e quarenta minutos de duração, cuja narrativa remonta à luta dos Guarani Kaiowá pela retomada de seus tekoha no Mato Grosso do Sul. O filme é realização do Vídeo nas Aldeias, ONG fundada na década de 1980 pelo diretor Vincent Carelli e que, através do audiovisual, visa "apoiar as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais", conforme o próprio site. Nas palavras do co-diretor Ernesto de Carvalho em entrevista ao Sul 21, Martírio trata-se de uma arma em uma luta por representação. Vista sua intenção militante, seu conteúdo voltado para a política, pensamos que, não obstante uma possível leitura a partir do que Jacques Rancière chamaria de um regime estético, o objeto demanda, por sua intenção de produzir certo efeito no público, ser pensado também a partir de um regime ético e representacional. Em nossa perspectiva, o efeito ético e político desejado pelos autores pode ser pensado a partir da visibilização e da escuta dos povos indígenas, pressupondo sua invisibilidade. Trata-se da busca por dar visibilidade ao seu martírio e legitimidade à sua visão de mundo. Essa visibilidade dos invisíveis, que propõe uma parte dos sem parte - para além das imagens, podemos pensar aqui nas terras originárias reivindicadas por esses deserdados da terra -, passa por uma política das imagens, ao passo em que trata-se, também, para fora do filme, da necessidade de afirmação de uma "identidade" indígena, apontada a certo rastro de ancestralidade - ou seja, justamente uma política da identificação -, que luta contra a sua dissolução, contra o assimilacionismo. A busca por uma identidade que, ao passo em que sempre se atualiza e transforma, busca fundar novamente uma coesão. Entendemos analiticamente as identidades a partir de uma perspectiva não-essencialista - como proposto ostensivamente na perspectiva dos Estudos Pós-Coloniais -, e sempre fraturada - constituída subjetivamente, entrecortada por diferenças, móvel no tempo e no espaço, relacional à sua exterioridade, etc -, e propomo-nos a pensar a forma com que, discursivamente, na referida cena e a partir da leitura propiciada pelo filme, os sujeitos no documentário, ao fazerem política, repudiam, deslocam e atualizam identidades e diferenças; e a maneira com que esses processos discursivos podem ou pretendem poder mobilizar agenciamentos para fora do filme, extrapolando suas imagens. |
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Bibliografia | BRAH, A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, nº26. Campinas. 2006. |