ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | L'image écrite e os múltiplos tempos de Aurélia Steiner |
|
Autor | Isabela Magalhães Bosi |
|
Resumo Expandido | O objetivo deste trabalho é analisar as múltiplas temporalidades construídas nos filmes Aurélia Steiner dite Melbourne (1979) e Aurélia Steiner dite Vancouver (1979), ambos escritos, dirigidos e narrados por Marguerite Duras – sem perder de vista que, para Duras, seu cinema é sempre, e antes, imagem escrita (image écrite), na qual é possível inventar outros tempos (Duras, 1996). Os dois filmes são narrados em primeira pessoa, na voz off de Duras, que dá corpo à Aurélia Steiner, nome de uma mulher vítima da Shoah, de uma criança nascida no campo de concentração, de uma habitante de Melbourne, Vancouver e Paris, de uma mãe e uma filha. Todas ao mesmo tempo, num aqui-agora como coexistência de passado, presente e futuro. Ao ser questionada se essas Aurélias seriam uma só, Duras responde que sim, "como todos os judeus de todos os tempos", sobreviventes dos campos, esse "acidente na generalização da morte" (Idem, p. 129). Essas múltiplas vozes, de uma Aurélia única e plural, fundam um eterno presente e, ao mesmo, uma atemporalidade, que se desdobra numa possibilidade infinita de fabulação, no abismo dessa escrita cujo destinatário desconhecemos (Ibáñez, 2019). O paradoxo entre o atemporal e o eterno presente, essa multiplicidade de tempos, é também o gesto radical de Duras diante das impossibilidades de representação no cinema. “Mostro o que não é representável, é o que me assombra e me interessa” (Duras, 1980, p. 43). Assim, ela reforça, em ambos os filmes – poderíamos dizer, também, em toda sua filmografia –, uma tensão entre as imagens que mostra e a impossibilidade das imagens que diz. A travessia se faz, portanto, pelo não-representado das imagens escritas (images écrites) que Duras cria (Cazenave, 2011). Dialogando com Gilles Deleuze, sobretudo a partir da leitura de Peter Pál Pelbart, buscamos analisar essa construção de múltiplos tempos nas imagens escritas de Duras, que se assemelham à imagem-tempo deleuziana. O filósofo, em seu segundo livro sobre o cinema, diz que a imagem-tempo surge com o cinema dito moderno, após a Segunda Guerra (Deleuze, 2018). Esse cinema, no qual se encaixa o díptico Aurélia Steiner, põe em questão "situações às quais já não podemos reagir" (Idem, p. 323). Ao contrário da imagem-movimento de um cinema clássico, anterior à guerra, agora estamos diante de uma ausência de ação, ausência de corpos, ausência de linearidade temporal, ausência, sobretudo, de uma representação – que passa a ceder lugar a uma apresentação. Segundo Pelbart (2000), o cinema serviu a Deleuze "para revelar determinadas condutas do tempo", cujas imagens já não formam uma unidade, mas uma pluralidade de tempos, ou de imagens-tempo, multivetoriais, com uma liberdade profunda em relação ao presente, anunciando um outro regime de imagens (Pelbart, 2015, p. 15). O tempo, agora, parte-se em "diversos presentes pertencentes a mundos distintos, embora num certo sentido, mais genérico, eles pertençam a um mesmo mundo estilhaçado" (Pelbart, 2000, p. 89). Aurélia Steiner emerge desse mundo-tempo, liberto de um cronos e mais próximo de um aion, beirando à alucinação, ao delírio – próprio do pensamento e da arte. Deleuze e Duras compreendem que, após a guerra, já não é possível preservar uma continuidade da linguagem e do tempo, agindo como se o mundo não estivesse esfacelado. É preciso permitir, ao pensamento e ao cinema, o irrepresentável, essa image écrite, cuja fragmentação condiz com esse novo tempo, que já não se pode conjugar, como antes, de forma linear. Os filmes de Aurélia Steiner ocupam justamente esse tempo rizomático, múltiplo, de um cinema que já não busca representar nada, mas, sim, apresentar o irrepresentável. |
|
Bibliografia | CAZENAVE, Jennifer. "La voix off au féminin: Hiroshima mon amour et Aurélia Steiner". In: Cahiers de Narratologie, n. 20, 2011, p.8-16. |