ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A câmera com estabilização triaxial e as imagens-antídoto dos Krenak |
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Autor | Rogério Luiz Silva de Oliveira |
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Resumo Expandido | A série Krenak – Vivos na Natureza Morta (2017) é constituída de cinco episódios, cada um com duração de aproximadamente 13 minutos. Originalmente exibido no Canal Futura, o trabalho audiovisual cria um espaço de escuta e observação sobre as modificações causadas pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Bento Rodrigues, no município de Mariana – MG. A atenção está voltada para a desoladora transformação na rotina do povo Krenak, ali instalado desde sempre, e prejudicado de forma vital pela contaminação do espaço com os rejeitos de minério. Parafraseando a própria série - ao nomear cada um dos episódios -, o trabalho audiovisual intenta apresentar de que maneira e por quais razões, a lama matou o Rio Uatu (Rio Doce), os bichos, as plantas e o riso desse povo alegre e agora entristecido por um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil. A construção da série não se dá, no entanto, sem participação direta – criativamente falando -, de moradore(a)s da comunidade. E não apenas como depoentes, mas na condição de realizadore(a)s de imagens em movimento. O próprio documentário explicita uma informação imprescindível: “Durante as gravações da série, jovens e adultos Krenak tiveram oficinas práticas com introdução à fotografia, TV e web”. Um recurso de linguagem audiovisual se destaca em meio à camada visual ao materializar esse processo de formação: um dos dispositivos da série é a presença de jovens Krenak com uma câmera portátil de estabilização triaxial. Em cada um dos quatro primeiros episódios, um(a) jovem opera um dos modelos DJI Osmo, marca/modelo de equipamentos para mobilidade de câmera que vem ganhando espaço no mercado audiovisual nesta última década. A estrutura destes equipamentos é constituída de uma tecnologia giroscópica, permitindo uma estabilização da câmera a despeito da movimentação de quem a opera. A série acaba por oferecer uma possibilidade de visitar a ideia de Marcel Martin que propunha considerarmos a câmera como um “agente ativo de registro da realidade e de criação de realidade fílmica” (MARTIN, 2011, p. 31) A mobilidade alcançada por tal equipamento, assim, configura uma fértil relação entre tecnologia e espaço. A câmera operada pelas mãos de jovens Krenak resulta em imagens-antídoto para um quadro perigoso que se constrói a partir das políticas institucionais que visam a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem. Um dos entrevistados, Roberto Vervloet, geógrafo e escritor do livro Desastre no Vale do Rio Doce chega a afirmar que muitas dessas medidas “visavam uma espécie de maquiagem da paisagem de forma a criar condições para que na paisagem não fosse percebido esse rejeito de material depositado nas planícies dos rios”. Ao operar a câmera segundo inúmeras e distintas subjetividades, a experiência de cinematografia praticada na série cumpre outro papel: a estabilidade da câmera serve ao registro da irregularidade de um espaço em desarmonia. A(o)s jovens caminham, por exemplo, por entre os barrancos de rios agora secos por causa da morte de nascentes. Se a paisagem carrega uma dolorosa instabilidade, à imagem incumbe o sentido de, em lugar de restituir, apresentar o quadro degradante. A câmera na mão desse(a)s jovens é uma variação na forma de afirmar o quanto o “lugar tem importância”, para chamar à baila o entendimento de Milton Santos (2006). É este mesmo pensador quem incute a necessidade de apreciar a economia espacial mediante recursos tecnológicos. Contemplável do ponto de vista técnico-estético, por possibilitar uma análise da linguagem da direção de fotografia, o uso de câmeras portáteis estabilizadas na série Krenak – Vivos na Natureza Morta (2017), acaba por ensejar uma reflexão sobre a profundidade da geografia humana, tal como a compreendera o mesmo Milton Santos (2006). Com este pensador, ampliamos nosso entendimento de técnica. Passamos a considerar um fenômeno imagético aparente e meramente plástico como aplicação mecânica que se estende sobre uma questão vital. |
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Bibliografia | MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2011. |