ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Empregadas domésticas na comédia latino-americana: Desideria & Dercy |
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Autor | Fabián Rodrigo Magioli Núñez |
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Resumo Expandido | Nos anos 1940, surge no cenário cultural chileno a personagem Desideria, que permanece no imaginário até hoje, associando-a a sua criadora, a atriz Ana González. Surgida no teatro popular e migrada para o rádio, o cinema e, posteriormente, a televisão, Desideria é fruto do viés cômico de González e, de certa forma, por sua simpatia ideológica pelas causas sociais. Assim, ela deu voz a uma categoria que recentemente se formava no Chile, um país que se urbanizava rapidamente: as empregadas domésticas. Desse modo, apesar – ou talvez por isso mesmo – de sua origem oligarca, Ana González satirizou as relações de classe ao criar uma empregada doméstica que zombava do esnobismo e do arrivismo de seus patrões. A personagem de Desideria nos faz lembrar o célebre personagem, também de origem radiofônica e posteriormente migrada para o cinema, de Cándida, protagonizada pela atriz argentina Niní Marshall. Um estudo comparativo entre Desideria e Cándida, logo, entre González e Marshall, merece ser realizado. Ou o caso da Índia María, interpretada por María Elena Velasco, um fenômeno mais tardio, a partir dos anos 1970, uma personagem surgida na televisão que também migrará para as telas grandes. Assim como é promissor pensar em outras análises comparativas em relação a outras personagens de empregadas domésticas no cinema latino-americano, como são os casos, cá de casa, das personagens de empregadas domésticas encarnadas por Dercy Gonçalves e Zezé Macedo em nossas chanchadas. De origem humilde e também egressa do teatro de revistas, ao abraçar a carreira cômica após desistir de ser cantora por razões de saúde, Dercy Gonçalves encarnou vários tipos de personagens no cinema, mas foi a sua atuação em papeis de empregadas domésticas o que ficou marcado no imaginário das chanchadas. As empregadas desempenhadas por Dercy são caracterizadas, sobretudo, pela zombaria e pelos “maus modos”, mas que sob seus hábitos rudes esconde um bom coração. Uma caracterização diferente de Desideria, cujo humor provém da figura do roto chileno, um pícaro criollo, figura satírica oriunda de tempos coloniais, que deita raízes a um humor satírico entranhado no imaginário espanhol. Assim, Desideria imita um ar refinado de uma suposta “boa educação” que ela nunca teve acesso, revelada inclusive pelo uso de expressões em Inglês e Francês. A sátira social trabalhada por González é uma ironia ao esnobismo próprio da oligarquia chilena emulada, por sua vez, pela classe média arrivista. Para usarmos um chilenismo, Desideria satiriza o caráter 'cuico' de setores da sociedade chilena e, desse modo, os seus preconceitos sociais. Dercy Gonçalves, por seu tipo físico 'mignon', falsa loura e célebre por suas caretas, trejeitos e sua atuação baseada no improviso, satirizava as estrelas do teatro de revista, ficando conhecida como a “antivedete”. Em sua longa carreira artística em sua longeva vida, em cento e um anos de idade, criou um tipo bufônico baseado em um humor chulo e grotesco, famosa por suas caretas e palavrões. Atualmente, Dercy está entranhada no imaginário brasileiro ao ser transformada num ícone 'pop' e 'kitsch' e até 'cult', tendo sido reverenciada ainda em vida como “a rainha do escracho”, migrando inclusive para a cibercultura, com uma variedade de memes, sites, blogs, além de ser nome de duas bandas de música. Nas chanchadas em que atua como empregada doméstica, satiriza a hipocrisia e os preconceitos das elites ao ser tachada de “respondona” e, às vezes, de "sonsa", ao encarnar um tipo de personagem “que não leva desaforo pra casa”, tensionando, assim, os limites traçados nas relações entre patrões e empregadas no espaço doméstico. Assim, o nosso objetivo é estabelecer uma análise comparativa entre a figura de Desideria e as empregadas domésticas interpretadas por Dercy Gonçalves, especialmente nos filmes "P'al otro lao" (Chile/Argentina, 1942), de José Bohr, e "Minervina vem aí!" (Brasil, 1959), de Eurides Ramos. |
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Bibliografia | AMARAL, Maria Adelaide. Dercy de cabo a rabo. 6 ed. São Paulo: Globo, 2011. |