ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Orgasmos musicais e revolução cultural em América do Sexo |
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Autor | Francisco José Pereira da Costa Júnior |
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Resumo Expandido | América do Sexo é uma produção de longa-metragem composta por quatro filmes de curta duração, uma iniciativa coletiva contando com quatro diretores. Esta esquematização foi um recurso recorrido pelo cinema moderno brasileiro dos anos 1960/1970. A produção é da Servicine e Filmes do Paralelo, mais os produtores associados Rubens Maia (um dos realizadores) e Antônio Polo Galante. Este último produtor pioneiro na Boca do Lixo paulistana emplacou diversos sucessos de bilheteria com pornochanchadas (RAMOS; SCHVARZMAN, 2018, pp. 324-328), e provavelmente por conta disso América do Sexo tem um título chamativo e explora a nudez da atriz Ítala Nandi. Mas sua narrativa passa ao largo da superficialidade comercial que estigmatizou a Pornochanchada, se caracterizando por aspectos sociopolíticos e técnica experimental. O filme de 1969, conta com os episódios em ordem de exibição: Colagem (Luiz Rosemberg Filho), Balanço (Flávio Moreira da Costa), Bandeira Zero (Rubens Maia) e Sexta-Feira da Paixão Sábado de Aleluia (Leon Hirzsman), sem continuidade narrativa e com uma mesma atriz em comum, a Ítala Nandi. Todos os episódios são adequados ao Cinema Marginal, tanto esteticamente (fragmentação e experimentação narrativa) quanto em condições de produção (filmes com equipe reduzida, de baixos orçamentos, de brevíssimos cronogramas, com equipamentos emprestados e compartilhados). São narrativas que abordam a emancipação feminina, sexo, amor livre, em tempos de repressão ditatorial no Brasil e de uma pretensa revolução sexual acontecendo na Europa e nos EUA. No contexto histórico que circunda a produção temos o Ato Institucional n° 5 que destitui o Congresso Nacional e cassa os direitos políticos de opositores ao regime militar e o maio de 68 na França que reverbera em todo o Ocidente. Nossa análise se volta para a trilha musical onde encontramos elementos do cinema moderno que se contrapõe ao clássico, um experimentalismo com profusão de ritmos musicais, trechos curtos e curtíssimos (muitas vezes tão efêmeros que não reconhecemos as composições), música popular difundida no rádio e executadas de long plays de vinil, corte seco promovendo descontinuidade sonora. A psicodelia libertária do rock n’ roll; o regionalismo da música nordestina associado à ruralidade; a marchinha de carnaval, o iê-iê-iê, a jovem guarda, estilos urbanos do Brasil; música erudita, contemporânea de vanguarda e até um hino cívico, todo esse universo diversificado compõe a miscelânea sonora amalgamada pelos episódios. Argumentamos que no filme são descartadas as funções de direção musical e composição, que a ideia é que os próprios diretores selecionem as músicas e canções aumentando o espectro autoral do realizador. Pela escolha dos repertórios, os cineastas deixam suas marcas estilísticas em uma “música de autor”, termo cunhado por Claudia Gorbman (2007) nos estudos de cinema. Salvo a exceção de Sexta-Feira da Paixão Sábado de Aleluia onde se dá, por indução do diretor, um processo minimalista de composição de uma canção - reducionista em acordes e no encadeamento dos versos. Através da “música de autor” do filme podemos identificar aspectos culturais, sociais, políticos, ideológicos, fundamentais para a criação/invenção. As referências da televisão, do rádio, da publicidade, dos quadrinhos, da cultura popular, da sociedade de consumo, do conteúdo importado, da contracultura, da revista especializada, da arquitetura e espaços urbanos, e não menos relevante, a organização da seleção musical, atualizam no filme o antropofagismo cultural proposto por Oswald de Andrade. América do Sexo foi censurado por anos e depois de liberado, sua circulação permanece restrita. Em obras importantes que esmiuçam o Cinema Marginal, como a organização Nova história do cinema brasileiro volume 2 realizada por Fernão Ramos e Sheila Schvarzman e Cinema de Invenção de Jairo Ferreira, a obra é apenas mencionada de passagem. Toda uma carga histórica o estigmatiza como filme obscuro do nosso cinema |
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Bibliografia | ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago. In: ANDRADE, G.; SCHWARTZ J. (Org.). Manifesto Antropófago e outros textos. SP: Companhia das Letras, 2017 |