ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Laços que unem? - escrita de si (e das outras) em "Finding Christa" |
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Autor | Carla Italiano |
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Resumo Expandido | "Finding Christa" (1991), média-metragem realizado pela artista e pesquisadora Camille Billops (1933-2019) junto a seu marido James Hatch, tem como mote um episódio singular da vida da diretora: o reencontro com Christa, a filha que ela havia entregado para adoção vinte anos antes. Em oposição às narrativas convencionais sobre o tema de adoção, marcadas pelo julgamento moral da mulher que recusa a maternidade e por certa vitimização do lugar da criança, Billops vai continuamente sustentar a sua decisão ao longo do filme, ao mesmo tempo em que interroga suas motivações à luz do distanciamento de décadas, bem como das críticas vindas de todos os lados, especialmente da sua família. A partir de diversos encontros mediados pela câmera - encenados ou não -, o filme se lança a reconstruir memórias pessoais e coletivas, elaborando uma rara etnografia das relações familiares negras de classe média nos Estados Unidos dos anos 1960-1980. Evocando a trajetória pioneira e camaleônica de Billops no campo das artes, tendo atuado como escultora, gravurista, atriz e arqueóloga da cultura afro-americana, "Finding Christa" é uma obra indisciplinar em suas escolhas formais, transitando livremente por regimes de enunciação - entre o documentário, o filme-ensaio e a performance de viés teatral, entre arquivos encenados e home movies em 8mm. Com a aposta na presença disruptiva do corpo da diretora em cena e em uma narração over compartilhada, a obra sublinha sua perspectiva em primeira pessoa. Mas o eu que se elabora filmicamente também preserva um grau de opacidade, constituindo-se no atrito com as vozes e os desejos das demais mulheres que compõem essa história. Assim, a inscrição de si no filme se dá pela franqueza desses encontros e pelos difíceis questionamentos por eles gerados, muitos dos quais permanecem sem resposta. Em termos de perspectiva feminista, a obra apresenta uma gama de representações complexas de mulheridade negra. Em paralelo ao processo de anos da cineasta para se afirmar como uma (mulher) artista negra, é igualmente notável a determinação de Christa em sua jornada por conhecimento, assim como a postura reflexiva de sua mãe adotiva, Margareth, e os ambivalentes vínculos de Billops com as mulheres de sua família. O filme também interroga o caráter compulsório da maternidade imposta aos corpos femininos, especificamente na lida com os atributos arquetípicos de sacrifício e devoção latentes nas "imagens de controle" de matriarcas e mães negras super fortes (COLLINS, 2000, p. 174). Ademais, ele aborda a dinâmica coletiva do cuidado nas redes familiares negras estendidas, e o caráter de constante renegociação das "mulheres negras umas com as outras, com os filhos negros, com a comunidade afro-americana mais ampla e consigo mesmas" (COLLINS, 2000, p. 176). Frente ao "mito do amor materno" (BADINTER, 2007), o filme de Billops e Hatch recusa o auto-julgamento, a culpa e o arrependimento pelo ato da adoção, tornando-se subversivo também por sustentar a dedicação da mulher a si própria e ao seu crescimento artístico e intelectual - algo historicamente negado às mulheres negras - enquanto um posicionamento feminista e uma possibilidade de estar no mundo filmicamente. Assim, esta comunicação propõe analisar os modos de escrita de si em "Finding Christa" a partir das relações entre mulheres negras no filme, especificamente dos relacionamentos entre mães e filhas - entre Billops e Christa, entre a jovem e sua mãe adotiva, e desta com a realizadora. Para tal, colocaremos em diálogo o campo da autobiografia no cinema e das teorias feministas, em particular do pensamento feminista negro estadunidense e das investigações sobre maternidade. De forma pioneira e na contramão das narrativas pré-determinadas, o filme se torna um documento dos laços entre gerações de mulheres negras - laços desgastados, por vezes impossíveis, mas persistentes -, e elabora "um retrato coletivo em que ninguém é julgado, mas todos são questionados" (PRICE, 202 |
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Bibliografia | BADINTER, E. Um Amor Conquistado - o Mito do Amor Materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. |