ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Cartografia do fascismo no cinema brasileiro pré-Bolsonaro |
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Autor | Daniel Feix |
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Resumo Expandido | Espelho psicológico de uma nação, conforme Kracauer (1988), o cinema é a arte capaz de desvelar pormenores das relações sociais imperceptíveis fora dos filmes. É na recriação do espaço-tempo no âmbito da diegese que se revelam os “fenômenos discretos” de uma sociedade (p. 19), incluindo “profundas camadas da mentalidade coletiva situadas abaixo da consciência” (p. 18). Pela capacidade de registrar o “fluxo da vida” (1997, p. 71), o cinema, mais do que outras linguagens, permite descobrir anseios e angústias ainda desconhecidos de todos – inclusive dos autores dos filmes. Como demonstrou Kracauer, o cinema alemão dos anos 1920 tornou possível perceber o quanto naquele instante cultuava-se o autoritarismo e falsificavam-se períodos do passado (a Idade Média), o que, segundo pesquisadores do fascismo como Eatwell (2003), Griffin (2008), Paxton (2007) e Payne (1980) constituem dois sintomas do ideário fascista. A visão de Kracauer (1997) de que a realidade fragmentada é reconstituída e por isso redimida no cinema vai ao encontro da de Didi-Huberman (2018), que vislumbra no registro fílmico, mais do que uma função reveladora, “uma disfunção, uma doença crônica” (p. 26) à medida que traz à luz o que estava à sombra. Revelar é, em parte, apontar as enfermidades de uma sociedade – o que justifica o “mal-estar permanente da cultura visual” (p. 26), aponta Didi-Huberman, ressaltando que “nunca antes a imagem se impôs tanto no nosso universo estético, técnico, cotidiano, político e histórico” (p. 27). É o cinema, mais do que nunca, que pode iluminar doenças que estão à sombra e, por isso, a ponto de aflorar na sociedade. A partir dessas premissas, iniciei o doutorado em 2021 buscando cartografar os sintomas do bolsonarismo dados a ver pelos filmes anteriores à eleição de 2018. Concentrado nos longas-metragens pós-Tropa de Elite (2007), de José Padilha – longa amplamente estudado pelo culto à violência do Estado, característica basilar do ideário fascista –, comecei a montar grupos de produções de acordo com o sintoma do fascismo detectado. É parte do trabalho a validação extemporânea do conceito de fascismo (ou seja, que persiste fora do contexto de origem, a Itália do período Entre-Guerras), confirmada por Griffin com o termo “fascismo genérico” (2015), assim como a forma que esse fascismo genérico adquire no Brasil, desembocando no bolsonarismo (trabalhado por Finchelstein, que aponta Jair Bolsonaro como exemplo de “líder pós-fascista” [2017]). Os grupos de filmes, que seguem princípios da cartografia estabelecidos por Deleuze & Guattari (1995-1997), Kastrup (2009) e Rollnik (1989), serão organizados conforme os sintomas do fascismo genérico brasileiro, ou seja, o bolsonarismo. Já esbocei alguns desses grupos. Como o objetivo aqui é apresentar a pesquisa como um todo, anteciparei só um: o dos filmes que escancaram o desconforto de classes elevadas com a mobilidade social de minorias, de pessoas de extratificação baixa ou não pertencentes à elite tradicional. No ideário fascista, a mobilidade é vetada, não raro respondida com violência. A tensão da convivência entre esses diferentes está refletida, de modos distintos, entre outros, em Casa grande (2014), de Felipe Barbosa, O som ao redor (2013), de Kleber Mendonça Filho, e Que horas ela volta? (2015), de Anna Muylaert. Filmes “de favela” do período desvelam tensionamento parecido, apresentando o “diferente” como perigoso, ameaçador. Mas a divisão da sociedade entre “nós” e “eles” (Stanley, 2020) é outro sintoma fascista e estará contemplado em outro grupo – a semelhança entre os grupos se mostra uma marca da pesquisa, o que é corroborado pelos pressupostos da cartografia. Das comédias apoiadas em estereótipos que reforçam a masculinidade tóxica como resposta à ansiedade sexual típica das sociedades fascistas aos documentários sobre os sonhos de dignificação de pobres ou minorias, o cinema nacional apresenta-se profícuo ao antever o bolsonarismo. Isso posso afirmar desde já. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs – Vols. I, II, II, IV e IV. São Paulo: Ed. 34, 1995-1997. |