ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A Unesco e as contradições de um projeto universal no Documentário |
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Autor | Fernando Weller |
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Resumo Expandido | “O grupo sincrônico-leve: por um novo cinema nos países em desenvolvimento” é o título de uma comunicação apresentada pelo cineasta franco-italiano Mario Ruspoli no âmbito da Segunda Mesa Redonda sobre Cinema e Cultura Árabe, em Beirute, promovida pela UNESCO entre 28 e 30 de outubro de 1963. O texto é um resumo das transformações ocorridas no domínio do documentário nos países desenvolvidos e marca um esforço de universalização das tecnologias vinculadas ao emblema do Cinema Direto para outros contextos cinematográficos, sobretudo no chamado Terceiro Mundo. A intenção era clara: sistematizar o uso de uma determinada tecnologia, propagando uma espécie de kit audiovisual, e ensiná-la aos cineastas dos chamados países subdesenvolvidos. A fala de Ruspoli termina com o desejo expresso de que, no âmbito da Unesco, seja criada uma instituição de pesquisa e fomento do audiovisual no plano internacional, segundo o modelo já existente do National Film Board Canadense. É emblemático que Ruspoli não fale exatamente sobre a cultura ou cinema árabe, tema da mesa redonda. No entanto, a sua fala pode ser compreendida como endereçada ao cinema árabe ou às outras cinematografias nacionais, que não a dos países França, EUA e Canadá. Ao mesmo tempo em que o texto prega uma libertação do documentário dos modelos tradicionais e limitados pela indústria audiovisual, há um tom colonialista notável na fala de Ruspoli. Trata-se de um cineasta europeu, enquadrado em uma instituição apoiada por ideais ocidentais como a Unesco, em um evento situado em Beirute, cujo sentido, expresso logo no cabeçalho da sua fala é transmitir a fórmula de um novo cinema para os "outros". Essas mesas redondas acontecem em outros lugares ao longo dos anos 60, com o patrocínio da Unesco (União Soviética, Alemanha e Líbano, por duas vezes), sempre com um espírito de fomentar os cinemas nacionais, através do intercâmbio de países desenvolvidos. Podemos nos perguntar o que moveram tais debates, que tiveram seu ponto culminante entre os anos de 1962 e 1966, mas que ecoam discussões anteriores, que dizem respeito à criação da Unesco entre os anos de 1945 e 1948, momento que contou com a participação de um personagem crucial na história do documentário, como primeiro chefe do Setor de Informação, o escocês John Grierson. As profundas transformações pelas quais passava o Documentário nos anos 60 eram, de certa forma, simultâneas às transformações que a própria Unesco e todo o chamado sistema ONU passava, a partir da emergência de novos atores internacionais nos fóruns e organismos, surgidos das lutas anticoloniais, sobretudo na África. Os novos países independentes passaram a assumir assentos nos referidos fóruns, multiplicando o número de membros e alterando a correlação de forças anterior. Tais acontecimentos deslocaram as tensões que ocorriam no âmbito da Guerra Fria entre os blocos Comunista, de um lado, e, do outro, o bloco liderado pela França, Inglaterra e EUA representando o mundo capitalista. A partir dos anos 60, no entanto, as disputas Norte e Sul tornam-se agudas na Unesco e as pretensões universalistas expressas na carta de intenções originária da instituição são, pouco a pouco, reformadas em direção a uma concepção multiculturalista. Tal processo, como veremos na presente comunicação, não se deu sem contradições e o Cinema Documentário da época foi um dos campos privilegiados para a sua compreensão. |
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Bibliografia | BAECQUE, Antoine. Cinefilia: invenção de um olhar, história de uma cultura : 1944-1968. Rio de Janeiro: CosacNaify, 2010. |