ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Personagens roteiristas e suas poéticas de roteiro |
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Autor | Joanise Levy (Jô Levy) |
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Resumo Expandido | Neste estudo objetivamos refletir sobre as poéticas da escrita fílmica, partindo da hipótese de que essa é uma atividade marcada por preconcepções sobre criatividade e originalidade, bem como pressupostos sobre o perfil do roteirista. Para tanto, vamos nos situar na representação dos personagens roteiristas dos filmes Barton Fink – Delírios de Hollywood (1991) e Adaptação (2002). Em comum, os protagonistas estão com bloqueio criativo e precisam lidar com a pressão dos prazos e as dúvidas sobre a própria capacidade de criar. As trajetórias dos roteiristas da ficção Barton Fink (John Turturro) e Charlie Kaufman (Nicolas Cage) deixam ver seus processos de criação e os sistemas de crenças que subjazem a essa prática. A noção de poética como um saber aplicado tem suas raízes na Poética, de Aristóteles (1998). Ao teorizar, no século IV a.C., sobre a estrutura dramática da tragédia, o filósofo grego descreveu o que seriam os princípios básicos da arte de contar histórias. Bordwell (2007) observa que a poética de qualquer expressão artística diz respeito ao processo de criação e seus princípios, bem como seus efeitos e usos, o que inclui um conjunto de regras. As regras, entretanto, não são fixas. Como salienta, Macdonald (2013), a poética é um sistema localizado num tempo e lugar, sujeita aos parâmetros dos meios de produção e culturas particulares. O enredo do filme Barton Fink, assinado por Ethan e Joel Coen, narra a história do dramaturgo novaiorquino que dá nome ao filme e que, depois de alcançar o sucesso no teatro, é convidado a escrever filmes em Hollywood. Em Adaptação, dirigido por Spike Jonze, o roteirista da ficção tem o mesmo nome do roteirista do filme, criando uma meta-personagem que parece dar voz aos próprios dilemas pessoais e criativos do Charlie Kaufman da vida real. Barton é antissocial e inseguro, perfil similar ao de Charlie em Adaptação. Ambos representam bem o sofrimento do gênio solitário, disposição presente num imaginário sobre a criatividade que reverbera desde o romantismo (LEVY, 2019). Por outro lado, pesquisas sobre criatividade apontam que muitas ideias significativas emergem do pensamento compartilhado entre parceiros dedicados ao trabalho colaborativo (JOHN-STEINER, 2000; SALLES, 2016). Movidos pela crença na criação individual, nossos personagens roteiristas se autodeclaram uma fraude por não alcançarem a inspiração que supostamente dota os “verdadeiros” criadores. O processo de criação do roteiro é a circunstância que mobiliza os acontecimentos do enredo nos dois filmes em destaque. Para superar o bloqueio criativo, Barton e Charlie vão adotar estratégias que revelam o desenvolvimento da ideia do filme. O conceito de screen ideia, proposto por Macdonald (2013), leva em consideração todas as fabulações sobre a obra audiovisual antes que ela exista na tela. O compartilhamento das ideias de modo informal ou dirigido a equipes decisórias, a elaboração de esboços, a incorporação de contribuições e o aprimoramento do roteiro em seus diversos tratamentos ou versões atuam no desenvolvimento da “ideia de tela”. Assim sendo, a screen idea é a evidência da criação do roteiro nas variadas instâncias que antecedem e circundam o texto, algo que ajuda a entender seu inacabamento e instabilidade, conforme salientam Price (2013) e Maras (2009). Este estudo é parte de uma pesquisa maior, ora em desenvolvimento no âmbito do Grupo de Pesquisa CRIA – Centro de Realização e Investigação Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás, que visa conhecer as estratégias pedagógicas adotadas na condução das disciplinas de roteiro ofertadas nos cursos superiores de Cinema e Audiovisual no Brasil. Observamos que este é um componente curricular que demanda simultaneamente competências teóricas, técnicas e criativas, e que tal especificidade impõe desafios à prática docente. Nesse sentido, certas concepções sobre as poéticas da escrita fílmica precisam ser problematizadas nos currículos escolares. |
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Bibliografia | ARISTÓTELES. Poética. Trad.: Eudoro de Sousa. 5 ed. [SI]: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1998. |