ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Manifestações da Não-Trama na estrutura dramatúrgica de "A Febre" |
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Autor | Caio Cesar Neves |
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Resumo Expandido | Considerando o princípio de “independência estética do roteiro” (KOIVUMÄKI, 2016), o presente trabalho opera no nível dramatúrgico do roteiro audiovisual, visando uma investigação das poéticas de estruturação dramática do mesmo, com centralidade para a noção de arco de personagem. Como trajetória metodológica, partimos de um determinado conceito de construção narrativa, a Não-Trama, e, com base em seu entendimento, extraímos diretrizes para serem aplicadas na análise fílmica. Nossa intenção é verificar as manifestações de tal inclinação narrativa no filme "A Febre". Como elementos de influência fundamental no estabelecimento de uma forma narrativa clássica no cinema, podemos destacar o drama aristotélico, com destaque para os princípios de anagnorisis (reconhecimento), peripeteia (reversão) e catharsis (purgação), e a tradição teatral francesa do século XIX conhecida como pièce bien faite, caracterizada por “um padrão de construção engenhoso, bem-sucedido comercialmente, e que geralmente contém, ao menos, alguma pitada de moral ou tese (...)” (STANTON, 1957). Segundo Bordwell (2005), tal modelo narrativo canônico se consolidou no período clássico do cinema (1917-1950), apresentando a seguinte dinâmica de funcionamento: um protagonista tem um objetivo ou busca resolver um problema, o que o leva a uma jornada de conflito que será finalizada com uma resolução clara. Em suma, trata-se de um desenho narrativo essencialmente pautado por uma dinâmica de atrito e necessidade, transcorrendo em uma progressão causal que pressupõe transformação, sendo, geralmente, impulsionada por um desejo de restauração. Como contraponto drástico, McKee (2006), propõe a Não-Trama, paradigma narrativo que seria marcado pela ausência de um arco dramático de mudança no “estado das coisas” do universo diegético, apresentando, ao invés disso, um panorama estático: “As cargas de valores da condição de vida da personagem no final do filme são virtualmente idênticas às do início. A estória dissolve-se em retratos, ou num retrato da verossimilhança ou num do absurdo” (ibid., p. 66). A partir da reflexão e desconstrução de tal conceito, chegamos a fatores-guia para sua verificação: dispositivo teleológico, que diz respeito a um evento que mobilize a trama e lance perguntas a serem respondidas; causalidade, que diz respeito à relação de causa e efeito entre eventos diegéticos; e virada dramática, que diz respeito aos movimentos de alteração dos "estados das coisas" vividos pelos personagens. Considerando que a inclinação ao minimalismo narrativo é predominante em certos contextos cinematográficos, fazemos um movimento de convergência da Não-Trama com o cinema brasileiro contemporâneo. A análise tem como objeto o filme “A Febre” (2019), de Maya Da-Rin. O filme se passa em Manaus e é centrado em Justino, um indígena Desana viúvo que trabalha no porto de cargas e é atravessado por algumas situações: a entrada de um novo colega de trabalho, o fato de sua filha estar de partida para Brasília e uma febre misteriosa que o acomete (A FEBRE, 2021). Entrando na diegese do filme, a aplicação das diretrizes evidencia os elementos que operam nesta construção narrativa não-hegemônica, tais como: o interesse observacional nos contextos de vivência dos personagens, a repetição como marcador de circularidade narrativa e as diferentes telicidades nas trajetórias dos personagens. Na análise, também promovemos um diálogo dos elementos “não-trâmicos” com modalidades estéticas fortemente presentes no cinema brasileiro da década de 2010, tais como o "cinema de fluxo" (OLIVEIRA JR, 2013) e o "realismo sensório" (VIEIRA JR, 2020). |
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Bibliografia | A FEBRE. Maya Da-Rin, 2021. Disponível em: http://mayadarin.com/projeto/5851. |