ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Quando você olha para mim para quem eu olho? DA e as dimensões do ver |
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Autor | Elizabeth Motta Jacob |
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Resumo Expandido | Quando você olha para mim para quem eu olho? A direção de arte e as dimensões do ver. Este artigo tem como objeto o papel da direção de arte na construção da visualidade háptica em Retrato de uma jovem em chamas, de Celine Scimma, 2020. Vão nos interessar, nesta abordagem, os agenciamentos espaciais e temporais e os elementos materiais expressivos que dão suporte as relações do ver e favorecem os deslizamentos entre a imagem óptica e háptica. A imagem háptica tal qual definida por Deleuze e Guattari (1997) é aquela que evoca uma percepção mais tátil do que visual, uma imagem que demanda um tipo de olhar mais atento à superfície, aos pequenos eventos que emergem na imagem. Marks (2000), a partir de conceitos formulados por Deleuze, desenvolve uma diferenciação entre a imagem óptica e a imagem háptica. Para ela, a primeira induz o espectador a lidar com a profundidade ilusória da imagem, enquanto a segunda leva o olhar para a superfície dessa, trazendo à tona a sua materialidade plástica, convocando os sentidos táteis do espectador. Para alcançar este efeito diversos recursos podem ser empregados. Neste filme que aborda a relação homo afetiva entre uma pintora, Mariane, e sua retratada, Heloise, no século XVIII, na França descobrimos o enredo e as personagens aos poucos. A imagem é, em muitos momentos, oferecida em fragmentos que desafiam o olhar e oferecem sensações que envolvem todos os sentidos do expectador. A apresentação de Heloise se dá por meio de fragmentos, de falas contidas, de olhares trocados com Marianne e pelos esboços por essa realizados. A fragmentação do rosto, os esboços realizados de dia e montados como um quebra cabeças imperfeito à luz da lareira à noite constroem a imagem de Heloise e a relação entre elas. Nos figurinos e ambientações o espírito barroco se evidencia fortemente. Os espaços são transmutados pela luz, recortes da imagem e cortinas revelam e resguardam segredos. A luz do dia é vívida e as cores dos figurinos se destacam nos ambientes. Já nas cenas noturnas uma lareira, fogueira ou vela irradia seu lume pontuando a cena. As poucas mudanças de figurino enfatizam a continuidade da ação. O figurino de Marianne, enquanto hospede de Heloise, é composto por um corpete vermelho, uma saia marrom, seu forro e um robe branco utilizado ora como robe de chambre ora como jaleco de pintora. Já Heloise tem um vestido azul escuro, uma veste longa com capuz e um vestido verde. Nas cenas nas quais a relação entre as duas vai se tornando mais próxima as roupas utilizadas são de cores complementares enfatizando o vínculo existente entre elas. Se a referência iconográfica do século XVIII se evidencia nos vestidos alguns adereços vão com esta contrastar. Menciono aqui a cena na qual um véu negro envolve parte da cabeça e pescoço das personagens enfatizando o desejo de um beijo e nos remetendo ao quadro Os amantes de Magrite. Os quadros realizados por Marianne foram especialmente realizados para o filme por Hélene Delmaire. Esta artista realiza retratos de mulheres frequentemente rasurados. Tais rasuras presentes na obra de Delmaire, e no primeiro quadro pintado por Marianne, comunica a potência e os desejos represados das mulheres. A pintura de Delmaire se integra a temporalidade proposta para o filme ao mesmo tempo que traz a marca da contemporaneidade gerando uma imagem ruidosa. O filme propõe um entrelaçamento de tempos e espaços na construção de sua visualidade. Os cenários e figurinos tem inspiração na iconografia do período em tela, mas os diálogos, cores, iluminação, objetos, e o som, expressam a contemporaneidade da abordagem a e lembram o espectador que a hetero normatividade e os cerceamentos impostos às mulheres não chegaram ao fim no século XXI. Quando Heloise postula a questão título deste artigo, verificamos que a mesma transcende os muros da pintura e do cinema, convocando o espectador para os diversos questionamentos sobre o olhar sobre o feminino, a arte e pulsão de vida propostos pelo filme. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Texto e grafia, 2008. |