ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Helena Ignez: guerreira nômade hipersensível |
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Autor | Samantha Ribeiro de Oliveira |
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Resumo Expandido | O presente trabalho repousa seu foco no acoplamento cocriativo entre a atriz-autora Helena Ignez e o cineasta Rogério Sganzerla, apontando para o agenciamento de uma máquina de guerra, que “involui” durante as filmagens de O Bandido da Luz Vermelha, e na qual a violência temática e estética foi apresentada como resposta antecipada ao terror imposto pelo cesarismo militar pré e pós-AI-5, como um revide político à crença na eficácia da representação de qualquer identidade nacional no cinema. Eles encarnaram, entre 1968 e 1970, a radicalização de um impulso de revolta, presente também na potência guerreira do Cinema Novo, mas que substituiu, como “arma de afecção”, a subversão ideológica proposta no ideário cinemanovista pela radicalização da transgressão formal, estética e narrativa perpetrada pelos realizadores do Cinema de Invenção. Talvez por isso esse cinema, marginalizado à época, seja hoje frequentemente comparado à atuação da resistência armada ao regime militar, às ações de guerrilha, articuladas como vetores de bando e igualmente podadas em seu estame, dentro dos movimentos políticos de resistência à ditadura. A comunicação propõe, ainda, a observação de um segundo revide operado pela máquina de guerra Ignez-Sganzerla, desta vez também afetivo, em Angela Carne e Osso, A Mulher de Todos. A personagem parece encarnar, pela via da desnaturalização da interpretação, o conceito de contaminação, no sentido artaudiano, por um feminino disruptivo e desviante, e superexpõe o avesso das distinções entre os sexos, transformado-as em indistinções. A representação paradoxal de uma mulher viril, fálica, parece apontar, então, para uma espécie de hipersensibilidade na imagem feminina projetada, que pode ser apreendida como uma travesti em reverso, fêmea investida de atributos de masculinos, transgênero à frente do seu tempo. Uma heroína sem mensagem, esvaziada dos seus significados anteriores, que encarnaria, então, uma desidentidade sexuada (GROSSMAN, 2016, p. 15), uma inteligência erótica múltipla, agenciada em bloco de devir com seu parceiro maquínico, Rogério Sganzerla. Desta forma, espirala também para o futuro um feminino/masculino como construção identitária temporária, não essencialista e situada em um mapa de conflitos. A máquina de guerra que se instala na dobra entre seus corpos e o mundo configura uma nova subjetividade criadora, com identidade sexual múltipla. Na carne do seu pensamento, também no sentido artaudiano, em cocriacão com Sganzerla e no corpo próprio da atriz, agenciados com o olhar do espectador, Angela parece fazer proliferar um novo bloco de devir-mulher do guerreiro onde o erotismo feminino deixa de ser uma propriedade do imaginário e do olhar masculinos para se tornar, também, uma arma de revide (DG, 2011, vol. 5, p. 78:80) à opressão do sistema narrativo simbólico patriarcal, machista e misógino. Por fim, como último desdobramento, a apresentação conduz à descrição de como essa virada ao avesso das distinções sexuais encarnada no corpo da atriz-autora Helena Ignez foi tensionada até o esgotamento em sua atuação nos sete longas-metragens produzidos de janeiro a maio de 1970, todos ancorados na performance de seu feminino desviante, que se radicalizou na produtora fictícia Belair. À máquina guerreira nômade Ignez-Sganzerla acoplou-se o cineasta Júlio Bressane e o desespero de fazer filmes, no contexto do estrangulamento das liberdades, e da própria existência, do pós-AI-5. Este trabalho deixa-se afetar pela vibração do conceito de “máquina de guerra”, proposto por Deleuze-Guattari em Mil platôs, em decorrência de sua realização estar vinculada, também, a um contexto histórico marcado pela polarização de campos políticos incomunicáveis entre si e pelo aparente estrangulamento dos caminhos de passagem possíveis aos fluxos inerentes à pluralidade de pensamento, à criação artística e à elaboração de um campo de existência comum para a diversidade genuinamente presente na sociedade brasileira contemporânea. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. Vol. 4. São Paulo: 34, 2011. |