ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Cinema, acustemologia, cosmoaudição: atravessamentos possíveis |
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Autor | Felippe Schultz Mussel |
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Resumo Expandido | Um pilar comum entre os saberes tradicionais do Sul Global, algo que funda diferentes culturas populares, afrodiaspóricas e ameríndias, está na relação de complementariedade e indissociabilidade que estabelecem com a natureza, a terra, as águas, o fogo e com outros seres não-humanos: uma “lógica de biointeração”, como resume Antônio Bispo dos Santos. Desse postulado se desdobram outros, como a prática comum de uma escuta sensível, atenta e diligente dos ambientes acústicos, considerando as matas, as florestas e outros biomas – e por vezes, inevitavelmente, as cidades – como portadores e emissores de sonoridades que, para além da sua utilidade objetiva no cotidiano, vem constituir as epistemologias, cosmologias e mitologias das suas comunidades. De modo relacional, essa importância do som ressoa na própria oralidade enquanto forma de transmissão de saberes e poéticas tradicionais, nas músicas tocadas e cantadas, nas línguas faladas, performadas e ritualizadas, quando os corpos humanos devolvem a natureza sonoridades dialógicas, devolução da qual as tecnologias audiovisuais também participam. Partindo dos filmes Pirikuá – Guardiões do Rio Apa (2017, de Gilmar Galache), Curupira, bicho do mato (2018, de Felix Blume) e A Febre (2019, de Maya Da-Rin), o presente trabalho investiga como, em seu diálogo com saberes tradicionais, as obras investem no som enquanto modalidade privilegiada de conhecimento, de existência e de resistência no mundo. Busca-se, assim, uma aproximação entre a acustemologia (união da acústica com a epistemologia, como pensada por Steven Feld) com o campo dos Estudos de Som em Cinema. Nessa metodologia, os filmes são analisados não apenas pela representação que fazem de um universo sônico que os antecederia, mas por se lançarem, através de suas narrativas e dramaticidades sonoras, como agenciadores de uma cosmoaudição (complementar a cosmovisão) específica dos povos e dos territórios envolvidos nas obras. Em Pirikuá, realizado entre os Guarani-Kaiowa do Mato Grosso do Sul, as águas se associam aos cantos, dois elementos que para os guarani possuem uma mesma capacidade, a de “resfriar” as pessoas e a Terra. No filme, o som do rio e as rezas são permanentemente sobrepostos, fazendo convergir num mesmo gesto a proteção da natureza e dos humanos. Já Curupira nos releva o papel primordial do som na construção do mito popular, desenhando uma imagem acústica da lenda com os ribeirinhos de Taquary, no Médio Rio Solimões, personagens com quem o documentário fabula mixando sonoridades humanas e animais. Também no universo amazônico, mas filmado na urbanidade sufocante de Manaus e em colaboração com atores de etnias do Alto Rio Negro, A Febre propõe um mergulho em paisagens sonoras onde coexistem a natureza e a indústria, onde o ruído das máquinas e dos animais se confundem, onde o estado físico e espiritual do seu protagonista encontra correspondência nas fronteiras sonoras entre a floresta e a cidade. |
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Bibliografia | CAESAR, Rodolfo. O enigma do lupe. Zazie Edições: 2016. |