ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Brasil e Brasília no cinema documentário de Joaquim Pedro de Andrade |
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Autor | MEIRE OLIVEIRA SILVA |
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Resumo Expandido | Recusado pela empresa Olivetti que o havia encomendado, o documentário Brasília, contradições de uma cidade nova (1967) é um curta-metragem realizado por Joaquim Pedro de Andrade. A razão da recusa, relacionada ao teor político do filme por expor fraturas sociais, desvela uma série de desmandos arraigados à própria formação do país. Assim, por contrariar as expectativas da empresa solicitante, dada a crítica direta a uma estrutura exploratória e indireta à ditadura militar, de modo a reforçar as tensões instaladas no período, o curta sofreu desaprovações. Ao expor as desigualdades da então nova capital federal, embateu-se diretamente à ideia de progresso e desenvolvimento dos anos 1960 que encobriam os níveis elevados de miséria do Brasil. A cidade, erigida como promessa de dissipação das disparidades sociais, ao ser observada mediante o olhar crítico do realizador carioca (BERNARDET, 2003), expõe adversidades que impediram sua exibição à época. Igualmente, as cidades-satélites deflagravam realidades que desmentiram os ideais do plano-piloto nos anseios desenvolvimentistas do período. Desse modo, a massa migratória de trabalhadores nordestinos, que ajudou a construir uma cidade da qual não poderia usufruir, constitui uma das maiores denúncias do documentário. A utilização da mão de obra dos operários, de alguma forma, aproxima-se da precarização da Universidade de Brasília, como outra metáfora do sucateamento dos trabalhadores em todas as esferas. Os problemas governamentais do regime vigente desvelam estruturas ancoradas em uma concepção repleta de fissuras históricas que convergem para uma sociedade imersa em questões atreladas a uma configuração pautada por alicerces coloniais e escravocratas. Pelas incursões nos exercícios do cinema verdade e direto, Brasília, contradições de uma cidade nova tenciona acompanhar as transformações do momento histórico por meio da descrição do que ocorreu na conturbada passagem dos anos 1960-70, sobretudo para os eventos ocorridos no cenário audiovisual brasileiro. Tais mudanças, de certa maneira, convergem para a atmosfera progressista instaurada no período e desvelam, por sua vez, algumas contradições socioeconômicas engendradas por uma constituição histórica vinculada à origem de fragmentações sociais diversas. A fotografia de Affonso Beato, nesse sentido, consegue atingir esferas profundas na análise dos diferentes universos que configuram a nova capital do país. Ao sobrepor as imagens das extensas e elegantes superquadras às do interior dos ônibus que traziam rostos anônimos de migrantes trabalhadores, de outras regiões do Brasil, em busca de oportunidades de sobrevivência por meio da promessa de um sonho, é revelado o cerne do curta-metragem. Trata-se de revelar sujeitos invisibilizados e relegados às periféricas cidades-satélites distantes do plano-piloto que ajudaram a erigir e do qual foram imediatamente banidos suscitando uma flagrante atualidade da precarização dos trabalhadores. As cidades-satélites, como microcosmos dessas discrepâncias socioeconômicas, apontam para a perpetuação das exclusões oriundas de uma constituição histórica plena de lacunas. E podem ser relacionadas a retratos de heranças memoriais a servir de compreensão do Brasil até a contemporaneidade. Justamente por desnudar os privilégios de uma esfera social cuja concentração de bens e acesso a riquezas oferece contraste com a representação de um país profundo composto por numerosas identidades enredadas em ciclos de opressão. Tais mecanismos parecem explicar, por meio de sucessivos desmandos governamentais, uma formação ancorada em estrutura histórico-social de raízes coloniais (BOSI, 1995) e escravocratas. São quadros que persistem como elementos chave para o abarcamento de incongruências que regem as dinâmicas profundamente associadas a discursos que corroboram a manutenção de práticas segregadoras. Configuram, portanto, traços de uma cultura elitista que contradiz a efígie harmônica de uma sociedade plural. |
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Bibliografia | ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Rodrigo e o SPHAN; coletânea de textos sobre o patrimônio cultural. Rio de Janeiro: MinC, Fundação Pró-Memória, 1987. |