ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Os filmes didáticos de Éric Rohmer: rascunhos do porvir |
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Autor | Giovanni Alencar Comodo |
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Resumo Expandido | Éric Rohmer (1920-2010) dirigiu mais de cinquenta filmes, entre curtas e longas-metragens, em uma produtiva carreira de mais de meio século, também repleta de escritos e entrevistas nos quais se dedicou a discorrer suas ideias sobre a arte do cinema. Como parte da minha pesquisa de mestrado em andamento no PPG-CINEAV da UNESPAR que aborda a presença do acaso na obra fílmica tardia de Rohmer, proponho nesta apresentação um olhar sobre uma parcela de sua produção menos vista: seu trabalho como diretor de filmes para a televisão educativa realizado nos anos 1963-1969. Nestes anos de produção televisiva observa-se uma riqueza de temas e procedimentos que se tornariam cada vez mais caros ao realizador em seu percurso. No início da década de 1960, afastado da editoria dos Cahiers du Cinéma e diante de certo revés com o insucesso de seu primeiro longa (“O Signo de Leão”, 1962), Rohmer viu-se obrigado a assumir o trabalho como diretor de documentários para o Institut National Pedagogique (GARCIA, 2018). Usufruindo de liberdade considerável, pode ali explorar temas caros a si e seu cinema, abordando poesia (“Mallarmé”, 1967), filosofia (“Entretien sur Pascal”, 1965), física (“Les cabinets de physique au XVIIIème siècle”, 1964), urbanismo (“La béton dans la ville”, 1969), diretores essenciais a sua formação (“Carl Th. Dreyer”, 1965; “Louis Lumière”, 1968) e mesmo transformando sua série homônima de textos sobre a arte do cinema em documentário (“O Celuloide e o Mármore”, 1966). Para além de recortes temáticos muito reveladores de seu cinema, nestes filmes também é possível averiguar o rigor da mise-en-scène do diretor. Sempre com poucos recursos, Rohmer busca já nestes curtas didáticos aliar exatidão e observação em uma busca pela revelação do mundo e “contra a neutralidade das aparências” (DANEY, 1966). Este procedimento chegaria ao ápice décadas mais tarde em títulos como “Conto de Primavera” (1990) e “Conto de Inverno” (1992), filmes em que o diretor promove uma tensão entre seus personagens e o mundo, em desencontros e descobertas levados pelo acaso – um componente tanto narrativo como construtivo de seu cinema – em um processo em chave de revelação e mesmo milagre, por menores que sejam. Trata-se aqui de uma abordagem em embate direto com os filmes, buscando um novo olhar sobre a obra de um cineasta, mais diretamente sobre seu trabalho fílmico e tentando tecer interligações possíveis dentro da Teoria de Cineastas, como argumenta Manuela Penafria em entrevista (LEITES et al, 2020). Ao encarar estes curtas televisivos – na maior parte em preto e branco, de breve duração e de meios muito limitados e muitas vezes ignorados – quase como rascunhos e ensaios para a obra posterior de Rohmer, colocamo-nos em uma espécie de poética dos rascunhos, resgatando a intensidade destes mesmos trabalhos de maneira ativa (FISCHER, 2021) e conhecendo já ali procedimentos da manifestação artística do diretor, muitas vezes em uma disposição franca de suas crenças sobre o cinema, a vida e si próprio. Em “Mallarmé”, por exemplo, Rohmer filma uma entrevista imaginária com o poeta utilizando-se de declarações de suas cartas. O autor, grande defensor da força do acaso na sua poética, fala sobre a infelicidade de precisar de outros trabalhos e não poder se dedicar exclusivamente à arte, sua preferência pela companhia dos jovens e o apreço pelo mistério nas suas obras. Em “Conto de Inverno”, o cineasta faz o destino agir sobre os amores de um jovem casal afastado por uma carta perdida e elude o espectador de compreender totalmente as decisões de seus personagens. Acaso, juventude e mistério perfazem o itinerário de seu filme. Mais do que coincidências entre estas duas obras, observa-se uma progressão. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Pode um filme ser um ato de teoria?, Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 1, n. 33, p. 21-34, jan/jun, 2008. |