ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Se essa rua fosse nossa: o olhar do cinema sobre a mulher na cidade |
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Autor | Carolina Maciel de Arruda |
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Resumo Expandido | “Geografia do medo” é como a geógrafa G. Valentine define a relação das mulheres com o espaço público. Segundo ela, desde muito cedo, nós, mulheres, temos o imaginário em relação às ruas marcado pelo medo: somos “criadas com um uso restrito do espaço público”, pois crescemos escutando diversas preocupações alertando sobre a rua como o espaço onde não possuímos controle sobre o outro, portanto, onde nosso corpo está suscetível a ser violado (VALENTINE, 1989, p. 386). Na fase adulta, o espaço público ainda é vivido de forma diminuta por muitas mulheres. Se lidamos com restrições às nossas possibilidades de vida e decisões de caminhos por conta do gênero, no que remete à cidade, não é diferente; já que, para as mulheres e para os homens, a cidade existe de maneira desigual desde seu rascunho. Pois, "em grande parte, a cidade é planejada para um homem (papel de gênero, não de sexo) de média idade, em plenas condições físicas, com um trabalho estável e bem remunerado que lhe permite ter carro privado e com uma esposa que o aguarda em casa com tudo feito e preparado” (MUXI, Zaida apud SILVA, 2018, p. 21). Ou seja, historicamente, a figura da mulher no espaço público foi associada à figura do homem: ou seria a esposa acompanhada do marido ou sozinha, a “mulher da rua”, portanto sem direitos (SILVA, 2018, p. 22). Para as mulheres, uma das consequências é a movimentação nas ruas em torno dos afazeres da casa, com travessias que carregam duplas ou triplas jornadas. Nesta forma de pensar a circulação, o espaço público serve apenas para ir e vir, e não permanecer (VALENTINE, 1989, p. 385-390). Nessa equação desigual, definiu-se um lugar de olhar masculino na cidade, em que o homem é dono do espaço, sujeito ativo, e a figura da mulher é o objeto. E no audiovisual, o “lugar de olhar” também foi definido pelo olhar masculino. Assim, as representações das figuras femininas nas produções audiovisuais foram delimitadas com o homem “como o dono do olhar do espectador” (MULVEY, 1975, p. 837). É assim que, para Teresa de Lauretis, nós mulheres entramos nas histórias do cinema sem concretude e sem singularidade. Somos “a máquina econômica que reproduz a espécie humana” (LAURETIS, 1984, p. 115). Repete-se nas telas as mesmas delimitações encontradas pela mulher no espaço público: novamente os caminhos femininos são definidos pela presença do homem, restringidos pela responsabilidade de um papel doméstico, maternal ou, ainda, sexual a ser performado. Mais uma vez, é estabelecido o lugar da mulher pelo direito do homem de olhar, de contar a história, de dominar o espaço. Sendo o cinema uma produção cultural de distribuição em massa, o impacto disso é o reforço introjetado na sociedade, através das representações femininas padronizadas, de que nós mulheres não pertencemos ao espaço público. Por outro lado, hoje, novas diretoras e produções têm buscado trazer às telas olhares não cristalizados e não condicionados pelo sexismo. O que permite ao público o acesso a construções de feminilidade com diferentes perspectivas. E se as ruas da cidade marcam a memória do nosso corpo e nossos gestos, os filmes que vemos também se inscrevem na nossa memória e, por que não, na memória do corpo. Essa conversa entre corpo e cidade define-se como corpografia, a cartografia do corpo (JACQUES, 2007). A partir dessa relação entre corpo urbano e corpo humano pode surgir a potência de novas compreensões e intervenções nos desenhos da cidade. Assim, seria o cinema um mecanismo da corpografia da imagem? Já que, se a cidade marca nosso corpo e faz parte da nossa história, as imagens que consumimos também nos marcam e influenciam nossos caminhos? As imagens que consumimos poderiam indicar novas narrativas para as mulheres nas cidades? Dessa forma, as obras Meu Corpo é Político e Chega de Fiu-fiu apresentam novas propostas visuais para o corpo da mulher na cidade e indicam o documentário como um lugar de experimentação para novas reflexões para a discussão de gênero no espaço. |
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Bibliografia | JACQUES, Paola Berenstein. CORPOGRAFIAS URBANAS: o corpo enquanto resistência. Cadernos Ppg-au/faufba, Salvador, v. 2, n. , p.93-103, 25 jul. 2007. Semestral. |