ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A República dos Espectros |
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Autor | Arthur Fernandes Andrade Lins |
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Resumo Expandido | Nosso primeiro intuito é estabelecer uma distinção entre o espectro buscado aqui e a questão das fantasmagorias de forma mais ampla. No filme ‘República’ não há fantasmas no sentido figurado. Pelo contrário, o percurso do filme vai sempre no sentido de revelar novas camadas que compõe a realidade representada na trama, uma realidade outra, uma realidade porvir. Essa realidade não se confunde com o realismo de cunho estético e muito menos com possíveis leituras documentarizantes que o filme só suscita, para negar. Trata-se então de uma realidade espectral que faz romper a distinção conceitual e narrativa entre aquilo que é da ordem do real e aquilo que seria da ordem do sobrenatural, ou seja, de natureza fantástica. Realizado em condições de extrema dificuldade técnica, tendo em vista o avançado estado de pandemia durante o qual ele foi realizado, o filme faz um complexo uso de sobreposição nas camadas narrativas, ao mesmo tempo em que depura e simplifica os procedimentos de linguagem audiovisual para amplificar os seus efeitos espectatoriais. Esse gesto de invenção na penúria, de certo atravessa grande parte dos filmes e das reflexões acerca do cinema nacional, mas aqui recebe novos contornos tendo em vista a situação global da pandemia e a situação de catástrofe humanitária-social e desmonte político próprio ao Brasil pós-golpe de 2016. O filme se insere num conjunto amplo da cinematografia atual que faz uso de um imaginário distópico em suas estratégias de fabulação. Nesse caminho aberto nas fendas de um Brasil multifacetado e nas estratégias que compõe principalmente os gêneros de ficção científica e horror, houve espaço para o surgimento de todo tipo de espectros, trazendo à tona um inconsciente coletivo soterrado pela ânsia de progresso e desenvolvimento aliado a um imaginário colonial. ‘República’ recoloca algumas dessas questões de forma enfática. A sua premissa é incontornável: O Brasil não existe. A primeira palavra dita no filme é sussurrada dentro de um sonho e diz: Colonizadora. A última sequencia é uma vertigem que suspende o tempo e aponta para um porvir. Em seu rastro, seguimos então algumas das aparições espectrais no filme, pois como nos alerta Jacques Derrida, um espectro nunca é um, mas sempre o mais de um. São três as aparições espectrais em República, de Grace Passô, que propomos uma investigação: A primeira surge já na abertura do filme, na primeira sequência que saberemos depois se tratar de um sonho. A segunda aparição surge como uma imagem fixa, uma fotografia. Ao ser mostrada no momento onde o filme se interrompe, adquire um caráter fantasmático e nos sugere um ‘efeito de viseira’ (DERRIDA, 1994), que é o regime próprio dos espectros, o lugar dá onde eles nos olham sem serem vistos. O terceiro espectro surge encarnado em um personagem do filme, que pelo seu caráter e acessórios de figurino, nos leva a pensar como uma presença do ‘povo da rua’, mais especificamente a entidade conhecida como ‘Exu’, fazendo alusão a religiões de matriz afro-brasileiras. Para o nosso intuito aqui, iremos tangenciar essa última aparição do ponto de vista de suas implicações na narrativa do filme e não sob os aspectos da crença religiosa. Para pensarmos o espectro nos ancoramos em uma conferencia feita pelo filósofo Jacques Derrida em 1993, a qual ele chamou de 'Espectros de Marx'. Nos interessa pensar os modos de aparição dos espectros e o que eles revelam acerca de nosso tempo, o tempo do desajuste, o tempo desconjuntado, que segundo Derrida, é a condição propícia para que os espectros surjam e possam clamar por sua justiça. |
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Bibliografia | CARDOSO, Vânia Z. Narrar o mundo: Estórias do “povo da rua” e a narração do imprevisível. Revista Mana 13 (2): 317-345, 2007. |