ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Tempo, narrativa e Boyhood |
|
Autor | CAROLINA OLIVEIRA DO AMARAL |
|
Resumo Expandido | Nas primeiras páginas de “Tempo e Narrativa”, Paul Ricouer (1994:15) apresenta a sua tese central de que ”o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal”. Ricouer irá traçar a relação entre tempo e narrativa não apenas nas histórias ficcionais, mas também em relatos históricos e aproximar estes tipos de narrativas. O filme de ficção Boyhood (2014) retrata a infância de seu protagonista, Mason Jr., e seu crescimento, compreendendo um período de doze anos que abarca desde o primeiro ano do ensino fundamental até o momento em que Mason entra na universidade. Trata-se, sobretudo, de um filme sobre o tempo, a partir de uma maneira peculiar de filmar - produzido e realizado no curso de doze anos – com escolhas estéticas e narrativas que sobressaem essa questão. Neste artigo, vamos argumentar que o processo criativo do filme e sua narrativa (desenho de cenas, tramas e personagens) são os principais motivos para a sensação de que o tempo é, na verdade, o assunto principal. Acompanhamos a longa duração da produção na qual, conforme expressado por Stone (2015:71) “ninguém finge envelhecer” e a passagem do tempo é percebida como um constante agora. Por outro lado, as cenas também se centram numa ideia de presente radical. Na escrita do roteiro, existe a regra de se escrever sempre no tempo presente, o que se vê e o que se ouve, ainda que a história retrate um épico histórico ou uma fração de segundos. No entanto, é comum que a sucessão narrativa construa um controle temporal (Lavandier, 2003), a partir de antecipação, suspense e mistério que projetam a história para um futuro ou passado. Ou o desenho de trama está orientado para o final, com objetivos lançados no início da história que são alcançados por uma série de peripécias e infortúnios. Em Boyhood não se opta por esse caminho. Segundo atores Ethan Hawke e Patricia Arquette (2014), o roteiro de Boyhood nunca foi uma estrutura fechada, contendo toda trama, com cenas e diálogos. Na verdade, tal documento nunca existiu como um documento de produção . Ano a ano, filmavam-se cenas que eram escritas por Linklater, com a colaboração criativa dos atores, ainda que houvesse uma linha narrativa planejada pelo diretor/roteirista (Buchanan, 2014). Linklater (2014) afirmou que para escrever um filme sobre a infância evitou escolher um momento particular que poderíamos alçar à categoria de evento como vemos com frequência em romances de formação. O efeito buscado era trazer a própria experiência de crescer, envelhecer e amadurecer, noutras palavras, a própria noção de tempo. Nunca vemos quando os pais se separaram, o primeiro baile da escola, ou qualquer desses marcos que estamos acostumados, mas momentos frágeis e fugidios, perfeitamente “esquecíveis”. As cenas trazem ações que frequentemente não “avançam a narrativa”, não apresentam obstáculos no caminho entre o protagonista e seus objetivos, nem propriamente personificam o conflito central da história. Acompanhamos falsas pistas e recompensas inesperadas. As elipses também cumprem um papel fundamental, ao serem, por definição, a passagem do tempo não mostrada pela história, mas sem lançarem cliffhangers e demais técnicas narrativas que inspiram a curiosidade sobre esse tempo não acessado. No artigo, analisamos a narrativa de Boyhood, a partir de trama, cenas e personagens. O uso da trilha sonora e da cultura pop como referências temporais também ajudam a formar a estrutura narrativa e de sentimento do filme. Investigamos o processo criativo da obra e como o roteiro, criado de maneira pouco convencional consegue encapsular o tempo em suas cenas e elipses, criando um efeito acumulativo que abandona formatos mais usuais de storytelling, e aponta para outras maneiras de construção da catarse. |
|
Bibliografia | DP/30: Boyhood, Ethan Hawke, Patricia Arquette. (2014, Jul 2) 1 Video (31:36 min). Por: DP/30. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=F4N0ZvcsKZQ. Acesso: 26/04/2021 |