ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Resistir, apesar de tudo |
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Autor | Fabiana de Oliveira Assis |
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Resumo Expandido | Parque Oeste (2018) iniciou-se em 2014, quando passei a frequentar o bairro Real Conquista em busca de personagens. À medida que me aproximava da comunidade, pude perceber que as redes de relações ali tecidas eram centradas na figura de Eronilde Nascimento. Mulher de posicionamentos fortes, Eronilde recusa o lugar de vítima sem voz para anunciar a violação de suas garantias. A característica marcante da personagem é também combustível para a guinada do filme após o nosso encontro: ao me aprofundar nesse convívio, entendo que essa deveria ser uma história a partir de uma perspectiva feminina, afinal, as mulheres estiveram à frente do combate e, também, porque se tratava de um filme realizado por outra mulher. A essa altura, já estávamos em 2015, e dez anos já haviam se passado desde o massacre no Parque Oeste Industrial. Minha ideia inicial era fazer um filme em que a tragédia desse evento aparecesse somente como pano de fundo, pois pretendia que a narrativa fosse concentrada no modo como as mulheres haviam reconstruído suas vidas durante esse período. Mesmo com um pré-roteiro em mãos, minha ideia preambular era que o filme nascesse a partir da minha vivência compartilhada com as personagens. No entanto, no momento em que Nascimento me apresentou as imagens do dia do conflito, captadas por Brad Will, foi inevitável incorporá-las ao filme. Will viveu junto com as famílias na ocupação do Parque Oeste Industrial e filmou, por esse período, a rotina das pessoas ali dentro até que começaram as intimidações da polícia que consistiam em aterrorizar a população de todos os modos possíveis. Didi-Huberman escreve que não há uma escala de medidas para os levantes, "eles vão do mais minúsculo gesto de recuo ao mais gigantesco movimento de protesto" (2016). Como vemos nas imagens de arquivo que ocupam boa parte de Parque Oeste, a população enfrenta as forças do poder com a única arma que tem, seus corpos. Debaixo do céu que parecia desabar sob suas cabeças, o que restava àquelas pessoas? "Tempos sombrios: Pode-se simplesmente esperar, dobrar-se, aceitar. Dizermos a nós mesmo que vai passar" (2016). Para o filósofo, os tempos obscuros impedem que se enxergue além, pois sufocam a capacidade do querer e do pensar sobrando, assim, apenas a submissão. O contrário disso, seria a sobrevivência do desejo, a pulsão pela vida, a negação da submissão, o levante. O período em que essas mulheres e homens passaram vivendo juntos em um ginásio após a violenta desocupação, apesar de todas as dificuldades que enfrentaram, como a fome e o surgimento de doenças, serviu para fortalecer o vínculo entre eles. Segundo Nascimento, o "tiro no pé" dado pelos donos do poder à época foi ter oferecido casas de aluguel em bairros distintos da cidade, numa tentativa de desmobilizar o movimento que se iniciava na luta pela conquista das moradias. Ao perceber que a intenção dos governantes era a de dispersão, a população se recusou a aceitar a oferta, não sucumbindo assim às forças maiores. É nesse momento que, para eles, "os tempos se levantam" (DIDI-HUBERMAN, 2018) e a luz surge. Em conjunto, decidem que, dali, do ginásio, só sairiam com a escritura de suas novas casas. O bairro Real Conquista é fruto dessa não dobra ou aceitação da obscuridade perante esses tempos sombrios. Durante a montagem do filme, foi inelutável o entendimento de que as imagens de arquivo organizariam a narrativa do filme. Disparados pelo depoimento de Nascimento, os arquivos representam não apenas as provas da injustiça cometida mas, do mesmo modo, simbolizam a chave para solucionar o desafio da personagem ,de não permitir ser retratada como vítima, uma vez que os arquivo contextualizam também como a população não sucumbiu e continuou a resistir, apesar de tudo. A utilização dessas imagens restitui aos personagens dessa história a dignidade dos papéis que desempenharam nesse combate e desfazem os retratos de pessoas marginalizadas pintados pela grande mídia. |
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Bibliografia | CIDADE, Daniela Mendes. Virgínia de Medeiros e a estética épica das guerrilheiras contemporâneas: entre o documental e o ficcional. Revista Croma, Estudos artísticos, 2019. Disponível em https://lume.ufrgs.br/handle/10183/195798 Acesso 10/12/20. |