ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | AUTOFICÇÃO, HIV E AIDS: UM CAMINHO POSSÍVEL PARA A REDUÇÃO DE ESTIGMAS |
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Autor | Evandro Rafael Ramadan Manchini |
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Resumo Expandido | Há quase 40 anos, desde o surgimento dos primeiros casos da infecção pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana), um imaginário bem característico foi sendo construído pela imprensa brasileira em suas abordagens sobre o tema. Alternando suas narrativas entre corpos esquálidos, perversões homossexuais, vitimizações e risco de morte iminente, o “câncer gay” estava sempre figurando nas páginas das revistas e jornais como algo ainda em processo de investigação e extremamente perigoso. Se por um lado é possível compreender essas reportagens como um meio por onde as primeiras informações sobre o vírus chegaram ao conhecimento da população, por outro, é a forma como tais informações chegavam que foram decisivas para a criação de estigmas que permanecem até hoje. Pensando na articulação entre performance, documentário e cinema experimental – e entendendo que a transposição para o audiovisual do conceito literário de autoficção dialoga com esses domínios – iremos apontar como narrativas audiovisuais que partem de experiências pessoais podem contribuir na redução de tais estigmas, tendo como referência o filme Non, Je Ne Regrette Rien (1993) de Marlon Riggs, o vídeo Prelúdio de uma Morte Anunciada (1991) de Rafael França, e o curta-metragem de animação Sangro (2019) de Tiago Minimisawa, tentando estabelecer aproximações e distanciamentos entre tais universos e lançando a nossa aposta (e de outros realizadores) da autoficção como um caminho artístico possível para a legitimação de novos paradigmas culturais em torno da temática. A autoficção como possibilidade de invenção de um imaginário que tenha como base a subjetividade daqueles que vivem com o vírus e não daqueles que assistem ao vírus. As lacunas deixadas pelas narrativas autoficcionais como pontes de diálogo que, através do pacto estabelecido e do interesse pelo real, ultrapassam pressupostos apenas teóricos: uma vida pode afetar outra vida? As obras escolhidas ajudam a responder tal pergunta e elucidam o elo entre HIV/Aids com a autoficção em diferentes formatos e contextos. No média-metragem Non, Je Ne Regrette Rien, diferente dos procedimentos encontrados na grande mídia, quem fala possui identidade e afetividade. Através de seus depoimentos, 5 homens relatam os medos em relação à morte e a depressão, a decisão de compartilhar ou não com a família o diagnóstico positivo, o fato de não quererem ser tratados como se estivessem doentes, e as dificuldades relacionadas ao sexo, tanto a abstinência sexual proveniente da falta de auto aceitação como a dificuldade em encontrarem parceiros. Rafael França funde a questão pessoal do HIV/Aids com seu fazer artístico experimental, tendo o vídeo como meio principal e explorando toda a expressividade proporcionada pela imagem eletrônica. E Sangro traz a própria vida como sendo a tão esperada cura para a Aids e isso, mais do que apenas uma metáfora, faz com que toda uma abordagem sobre a questão seja atualizada (utilizando inclusive termos atuais como “carga viral indetectável”) e sirva de referência para futuras incursões audiovisuais. Autoficções que concretamente apontam novos caminhos. No ensaio A transformação do silêncio em linguagem e ação, Audre Lorde diz que “a visibilidade que nos torna mais vulneráveis é também a fonte de nossa maior força” (2019, p.23). Nós compartilhamos do mesmo sentimento e acreditamos que poder falar sobre viver com HIV e Aids é também uma estratégia de cura: não somente para os corpos positivos mas para toda a sociedade. A cura da epidemia do pânico e do preconceito. |
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Bibliografia | BESSA, Marcelo Secron. Os perigosos: autobiografia & AIDS. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002. |