ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | A cidade e o corpo: considerações sobre Rebels of the Neon God (1992) |
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Autor | GUILHERME HENRIQUE ANTONIO |
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Resumo Expandido | Tsai Ming-Liang debuta no cinema nos apresentando uma Taipei em pleno movimento e como essa cidade é vívida e sentida por três jovens. O filme de 1992 Rebels of the Neon God, nome em inglês para o título 青少年哪吒 (ou Jovem Nezha em tradução literal), retrata a camada média da juventude de Taipei que se percebe vazia de objetivos e desejos enquanto vagam pelas ruas de uma noturna e chuvosa Taipei, iluminada pelo farol das motocicletas e letreiros de neon. A possibilidade do cinema de captar e suspender a efemeridade de momentos e emoções convidam o observador a experienciar uma Taipei que se reconfigura em novos componentes perceptivos. Nessa obra o diretor discute o efeito das transformações urbanas que ocorrem com grande intensidade nas cidades asiáticas, desde os anos 40 e principalmente a partir dos anos 70 em seus habitantes e também à forma como o cinema, capaz de registrar e preservar um espaço em desaparecimento, se relaciona com tais mudanças. Essa dinâmica de transformações afinadas com o espaço urbano abarca corpos, signos, linguagens relações e até mesmo o próprio observador. A proposta deste artigo é discutir o papel do observador na obra Rebels of the Neon God em dois níveis: o observador diegético, voyeur, representado pelo personagem Hsiao Kang (Lee Kang-sheng); e nós observadores não-diegéticos, que observamos aquele que observa e apontar relações entre essas duas instâncias. Além disso, levando-se em conta a revalorização do cinema como uma arte espacial, e partindo de uma categorização do espaço como algo dinâmico, definido acima de tudo pela mobilidade, este artigo procura identificar a relação entre espaço, tempo e memória no filme Rebels of the Neon God, traçando um paralelo entre a efemeridade da cidade e a efemeridade do cinema, à luz de suas constantes mutações. Algumas leituras possíveis foram e deveriam ter sido feitas sobre esse vertiginoso maelstrom de desejo, sexo, arependimento e meditação sobre a decadência da carne e da alma dos personagens de Tsai. O caráter ilusório do desejo e a natureza transitória da vida humana fazem com que a inocência se perca em uma multiplicação de decepções contemporâneas e uma vida. Frequentemente referenciados como excêntricos ou estranhos, esses personagens, cujo comportamento flerta com manias peculiares e grande fisicalidade, desafiam premissas normativas de condutas privadas e categorias fixadas de identidades e subjetividade. Os comportamentos por vezes inexplicáveis contrariam os modelos de normalidade, seus personagens agem como as pessoas geralmente se comportam ( mas raramente são representadas se comportando) quando estão sozinhas, ou seja estranhamente. Nos filmes de Tsai, o comportamento bizarro de seus personagens confunde qualquer tentativa de explicá-los. Esses personagens solitários são constantemente representados em suas casas, limitados por janelas, portas e espelhos, quase que emoldurados. Além de delimitar o espaço dos personagens, portas, janelas e paredes são objetos que fracionam ou expandem o espaço doméstico em variados planos, oferecendo múltiplos focos de atenção na mesma cena. O cinema de Tsai Ming-Liang nos oferece várias perspectivas de espaço e tempo, não se limitando à dimensão física. Os protagonistas de seu filme transitam na fronteira entre suas singularidades e os modelos sociais mais provavelmente estabelecidos como nação, comunidade, família, capitalismo e até heterossexualidade. Não há nada de típico e normativo em seus filmes, eles sempre encenam uma jornada para o novo, a criação do sentido contra o bom senso, contra a ética, moralidade e normalidade. Nossa condição pós-moderna desencadeia uma reação contra a pressão efetuada pela implementação da globalização de uma temporalidade universal que apaga imaginações alternativas e temporalidades com ritmos diferentes. Através de seus personagens, seus espaços e sua temporalidade, Tsai aponta em nós o que escondemos dos outros e de nós mesmos. |
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Bibliografia | BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre fotografia: tradução de Julio Castañon |