ISBN: 978-65-86495-02-7
Título | Entre os ruídos e a música - a fronteira indefinida no cinema japonês |
|
Autor | Demian Albuquerque Garcia |
|
Resumo Expandido | O cinema japonês nutre uma relação particular com o som e a música ligada à sua cultura tradicional, e o cinema de fantasmas contemporâneo fica marcado por essa ligação histórica. Por exemplo, em Ringu (1998) o diretor Hideo Nakata pede ao seu compositor, Kenji Kawai, para criar uma música sem melodia, que funcionará como efeitos sonoros. Chiados estridentes e guinchos aparecem para despertar o terror do espectador cada vez que a fita VHS for lançada ou que a presença de Sadako for sentida. As flautas e tambores tradicionais do teatro kabuki, que anunciam a presença dos fantasmas nos kaidan eiga (filmes de fantasma clássicos), são transformados em rangidos agudos e drones muito graves. A música e alguns efeitos sonoros pontuais são normalmente extra-diegéticos nos filmes de horror, mas aqui, eles vem também da diegése: o som do vídeo maldito, da conexão internet, do telefone que toca, de sons guturais de garganta, de miados de gatos, gritos, do vento, da chuva, etc. A música se transforma em camadas sonoras que navegam entre sons da natureza e da tecnologia. Em Kiyoshi Kurosawa os ruídos de água, da floresta e do vento indicam a presença da morte e perturbam os pensamentos dos protagonistas. Em Kairo (2001), o som da conexão internet se torna o leitmotiv do fantasma/vírus que se espalha pela sociedade 'Tokyoita". Kurosawa utiliza sons diegéticos - como som de cortinas de plástico, computadores e até uma máquina de lavar - para criar a sonoridade das cenas e construir a emoção no público. O drone é muito usado no cinema de horror ocidental para criar tensão, mas no Japão ele possui camadas suplementares: primeiramente sua ligação com os tambores do kabuki que produzem uma sonoridade grave e contínua para anunciar eventos sobrenaturais, mas também evocando os terremotos, que para os japoneses lembram aqueles que realmente aconteceram, como o de 1995 em Kobe - esse fenômeno natural aparece em alguns filmes de Kurosawa, como Cure de 1997 e Retribuição de 2006. Muitas vezes os sons do cotidiano se transformam em uma peça de música concreta, como já prenunciado por Tōru Takemitsu em Kwaidan, de Masaki Kobayashi em 1964. Embora os elementos sonoros dos filmes japoneses de fantasmas sejam, em grande parte, os mesmos do cinema ocidental, sua utilização é diferente. Os filmes japoneses perpetuam, em sua relação com o som, uma tradição que remonta ao teatro kabuki onde as fronteiras entre música e efeitos sonoros já eram confusas. Essa singularidade se baseia em questões culturais : o som não se mixa da mesma forma, as referências se apoiam em um imaginário próprio, consequentemente a escritura sonora é construída de forma diferente, e a isso se acrescenta uma representação do fantasma fundamentalmente peculiar à cultura japonesa, pois ela foi estruturada de maneira totalmente distinta (as religiões, as relações com os espíritos, a história, as crenças, etc) Essa comunicação quer explorar a maneira com que os diretores, compositores e designers de som japoneses constroem uma escritura sonora que faz dialogar a composição musical e a criação sonora nos filmes de fantasmas, e a fronteira indefinida dos elementos sonoros, que se articulam, se desdobram, se misturam, se fundem e se confundem. |
|
Bibliografia | BARNIER Martin, « Kiyoshi Kurosawa et les sons fantomatiques », Cinémaction - « Cinéma d’Asie orientale », n°128, Corlet Publications, 2008, p. 122 129. |